Estou a estudar todas as medidas para que os Portugueses possam comer dia sim, dia não!
Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Não gosto de falar sobre política e futebol, tenho as minhas convicções, mas guardo-as para mim. Mas fico algo dececionado quando deparo com demagogias que prejudicam a vida dos cidadãos, das pessoas. E tudo porque recentemente a ministra da Agricultura, veio afirmar que “o Governo está a estudar todas as medidas para que o consumidor possa pagar o preço justo pelos alimentos.” Como? Vai criar um observatório de preços que anda a prometer há alguns meses (copiando o modelo seguido por Espanha; mas este país, além disso, também reduziu ou retirou o IVA em alguns bens essenciais, algo que o nosso País não está nem a pensar fazer). Embora existam ainda mais 2 modelos de controlo da pressão inflacionista dos bens alimentares provavelmente mais eficientes. O Grego, que impõe margens e preços máximos num conjunto de produtos do cabaz alimentar (aas assim podemos estar a prejudicar algum elo da cadeia, que tem que absorver o impacto do aumento dos preços no produtor). Finalmente, o modelo mais eficiente de controle dos preços, segundo me parece, que é o Francês e que salvaguarda que não há nenhum elo da cadeia prejudicado. O Estado fez acordos com a distribuição para praticar os preços mais baixos possíveis nos preços de bens essenciais (produtos a selecionar pelos supermercados).
Portugal, demagogicamente, para além da promessa do observatório, aumentou as inspeções e multas por parte da ASAE, alegando especulação de preços. Naturalmente que esta especulação até pode existir nalguns operadores, mas esta “operação comercial que visa a obtenção de lucros exagerados ou pouco legítimos” irá maioritariamente ser contestada em contencioso. E com razão. O poder político apenas classificou como ilegítima, a margem bruta dos distribuidores e não a margem líquida (que inclui os custos). O que é totalmente incorreto. Portanto estas medidas que não estão a funcionar (nem vão), não impedirão escalada de preços dos alimentos que continua a crescer (mais de 30% num ano), no valor mais elevado dos últimos 38 anos. Com alguns bens alimentares mesmo dobrar o preço.
O que é estranho é que apenas agora, um ano depois desta crise inflacionária nos bens essenciais, o nosso poder político vir anunciar que em lugar de estar a atuar, está ainda a estudar quais as medidas que melhor protegem os cidadãos, nomeadamente os mais desprotegidos. Ou estão muito desatentos, ou trata-se de pura demagogia de quem quer ganhar tempo e sabe que não vai fazer nada.
Até porque falando de lucros ilegítimos, quando consultamos as últimas contas dos dois principais distribuidores do mercado, as margens brutas e de lucro do Continente (do grupo Sonae) e do Pingo Doce (do grupo Jerónimo Martins) estão a diminuir (nos primeiro nove meses de 2022 em comparação com os dados homólogos). Por exemplo, segundo um jornal, a Jerónimo Martins (Pingo Doce e o Recheio) fecharam os primeiros nove meses de 2022 com uma margem de EBITDA de 5,87%, que compara com uma margem de lucro de 5,92% no mesmo período de 2021 ou de 8,31% em 2019. Ou seja, estão a cair e não a crescer como todos acusam. O mesmo aconteceu com o Continente. Mas esquecendo os distribuidores, restam os produtores, que até poderiam estar a obter estes lucros ilegítimos. Mas mais uma vez, olhando para as contas dos maiores operadores e produtores (Nestlé, Unilever, P&G) verifica-se também que as suas margens caíram. Portanto o problema pode não estar aqui.
O único ganho ilegítimo que se pode demonstrar com factos foi o do Estado Português, através do aumento da cobrança do IVA. Atente-se ao desfasamento tão grande entre o crescimento da receita fiscal e o crescimento da receita gerada com a cobrança do IVA que é muito superior. “E de todos os intervenientes na cadeia de valor, o Estado foi o único que não fez qualquer alteração na sua margem de lucro: não baixou nem reviu o IVA sobre os bens alimentares básicos.”
Leia-se a síntese da execução orçamental: “Relativamente aos impostos indiretos, comparativamente com o período homólogo, destaca-se o aumento de receita fiscal (+13,5%), impulsionada pelo crescimento da receita do IVA (+25,7%).” Em termos acumulados, a receita extra (ou ilegítima segundo o estado, numa interpretação lata) em IVA cobrado aos portugueses já ultrapassa os 3 mil milhões. Quase metade dos cerca de 7 mil milhões que já pagámos a mais em impostos.
Afinal que medidas existem para estudar para as famílias mais desfavorecidas? Apoio social para quem precisa, acordos com os operadores (distribuidores e produtores) para reduzir preços, não cobrar o IVA nos bens essenciais (pagam 6% de IVA) e apoiar quem sofre com o aumento das taxas de juro. Se isto não for feito, vamos infelizmente ter Portugueses a ter que comer dia sim, dia não; enquanto perdem a sua casa por incumprimento!