Tendências 2022: Análise de Fernando Neves de Almeida, Partner da Boyden

Reunimos um conjunto de presidentes e CEO portugueses que nos ajudaram a traçar as perspectivas económicas para o país e empresas. E revelam também a medida que gostavam de ver debatida nos programas eleitorais do partidos


1. Quais as perspectivas para 2022 para o País, Economia e no seu sector de actividade?

À semelhança de 2021, acredito que este ano que agora entrou nos vai brindar com um crescimento económico moderado. O sector do turismo, penso que irá ter um bom ano, a partir do mês de Abril e a restante economia, creio que continuará a tendência de recuperação, relativamente lenta, de 2021. No que respeita ao sector dos serviços profissionais, no qual, maioritariamente, me insiro, acredito que irá ser um ano de continuação do crescimento, um pouco acima da economia em geral. Para concretizar com duas organizações às quais estou ligado, a Neves de Almeida HR Consulting e a Boyden, a primeira cresceu 66% e a segunda 44%, em 2021. Não espero um crescimento tão acentuado em 2022, mas ambos os orçamentos efectuados assumem um crescimento a dois dígitos. E tanto quanto sei, o sector dos serviços profissionais, teve um bom desempenho em 2021, o que é um bom sinal, uma vez que revela o grau de sofisticação de uma economia. Não quero com isto dizer que a nossa economia é comparativamente sofisticada, mas antes que está a crescer em sofisticação. Isso é bom!

 

2. Que medida gostava que constasse nos programas dos partidos para as eleições legislativas de Janeiro 2022?

Quando escrevo este artigo, não faço ideia de quem vai ser o próximo primeiro-ministro, nem que tipo de apoio parlamentar vai ter, na próxima legislatura. No entanto, como profissional da área do talento, tenho dois desejos que, penso não colidirem com os desejos de quem quer que ganhe as eleições/nos governe. O primeiro desejo é que se verifique uma subida do salário médio; o segundo, como já tenho defendido em artigos anteriores, que se melhore a gestão do sistema de ensino, no nosso país.

No que respeita ao primeiro, o aumento do salário médio, infelizmente não é algo que se consiga por decreto, a não ser na função pública. E não nos esqueçamos que os funcionários públicos não geram receitas para se pagarem. Somos todos nós, com os nossos impostos (e com dívida pública, que corresponderá a impostos que os nossos filhos e netos irão pagar) que lhes pagamos. Assim, qualquer aumento do salário médio no estado, sem ser por acompanhamento do sector privado, não me parece adequado. Como referi, este desígnio é acompanhado pelas forças políticas de todos os quadrantes. Quem é que não quer isso? (pelo menos publicamente) O problema é a forma de o concretizar.

A minha experiência de muitos anos como recrutador, diz-me que os salários aumentam quando existe escassez de talento. Em alguns sectores, neste momento, está-se a assistir, exactamente a isso. Quanto mais organizações procuram o mesmo tipo de perfis, mais altos são os salários que tem de oferecer para os atrair. A história mostra-nos vários exemplos disso. Se analisarmos a evolução salarial a seguir a pandemias muito mortíferas, verificamos que existiram situações em que alguns estados tiveram que limitar os salários máximos por categorias profissionais, para que a economia não se descontrolasse. É claro que, felizmente, a pandemia que vivemos não é deste calibre. Pelo menos até agora. Esta reflexão é só para reforçar que a escassez induz a um aumento do valor que estamos dispostos a dar, por algo. E como poderemos nós provocar uma escassez maior de talento a ponto de produzir um aumento significativo do salário médio? Através do investimento, interno e externo, que leve à criação de novas empresas, de preferência, de alto valor acrescentado. Infelizmente, o que se tem verificado nos últimos anos, embora se criem empregos por parte de empresas estrangeiras, é que a maior parte desses postos de trabalho são a pagar próximo do ordenado mínimo em Portugal (muito mais baixo do que nos países de origem dessas empresas) e a sua vinda para cá tem apenas essa justificação. Não é mau, uma vez que cria postos de trabalho. Mas não sobe o salário médio como gostaríamos que acontecesse. Assim, temos de conseguir atrair projectos que necessitem de talento mais especializado, para isso é necessário oferecer condições acima dos países que concorrem, directamente connosco na atracção dos investimentos. Como quase tudo na vida, os incentivos podem fazer a diferença. Recordo-me, há muito anos, do trabalho que o governo de Portugal desenvolveu para atrair para cá a Autoeuropa. Muito desse trabalho foi baseado em incentivos oferecidos. Penso que ninguém pode dizer que não foi um óptimo desempenho. Penso que é o principal exportador de Portugal.

Embora, como disse, qualquer que seja o primeiro-ministro em funções a seguir às eleições, acredito que gostava de tornar este desígnio do aumento do salário médio em realidade, os meios que cada um considera adequados para o conseguir é que podem divergir. Irei estar atento ao que propõem fazer.

O segundo desejo que acalento, prende-se com a melhoria do sistema de ensino. Sou daqueles afortunados que pôde pôr os filhos em escolas privadas. Dos meus quatro filhos, três andaram sempre em escolas privadas e uma passou três anos numa escola pública. A diferença é muito grande! Talvez o colégio onde andam/andaram (o Sagrado Coração de Maria) seja muito bom e a escola pública onde a minha filha andou, não o seja. No entanto, a experiência é diferente. Não me parece justo que, quem tem posses para isso, possibilite uma experiência educativa melhor aos seus filhos, do que aqueles que não têm. Mesmo pensando no bem colectivo, as nossas crianças e adolescentes de hoje, vão ser os decisores do amanhã. Quanto melhor preparados tiverem, melhor será o Portugal do futuro.

Com este meu exemplo, não pretendo defender o ensino privado em relação ao público. Pretendo sim dizer que se deve melhorar o ensino público, atraindo os melhores profissionais, dando maior autonomia de gestão às escolas, pagando melhor, recompensando os desempenhos acima da média, enfim, possibilitando uma verdadeira concorrência entre público e privado, com base na qualidade. E não creio que isso seja impossível. No ensino superior, por exemplo, é o sector público que leva vantagem. Apostar nos nossos jovens é o melhor investimento que podemos fazer no futuro. Quanto mais não seja, são eles que vão ter de pagar a enorme dívida pública que irão herdar pela incapacidade desta geração em ter feito melhor do que tem feito.

Sei que há sempre aquelas pessoas, em especial as que estão no poder e/ou que são muito bem-sucedidas, que dizem que conseguiram apesar do sistema de ensino. No entanto, meus amigos, se o sistema de ensino onde andaram tivesse sido melhor, provavelmente compararíamos melhor com os países actualmente mais bem-sucedidos do que nós e essas pessoas seriam, porventura ainda mais talentosas e bem-sucedidas. Aproveitar o talento existente é uma obrigação que reverte para o bem comum. Não acreditar nisto e não fazer nada para o melhorar, em meu entender, desqualifica qualquer um para um cargo político relevante, com influência nesta área.

Termino, fazendo votos de que 2022 seja o ano em que se traga para a discussão pública a importância do talento para o crescimento económico. Bom ano para todos.


Artigo publicado na revista Executive Digest n.º 190 de Janeiro de 2022

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