Opinião Maria Luís Guedes de Carvalho. Danos morais em tempos de Pandemia

por Maria Luís Guedes de Carvalho, Advogada do Departamento de Contencioso da CCA

O nosso Mundo está há mais de um ano a sobreviver a uma Pandemia. E dizemos sobreviver porque, apesar de as consequências da doença de COVID-19 serem ainda imprevisíveis, é já certa a sua incomensurável magnitude, que afeta e afetará, por muito tempo, a saúde (física e mental), a economia, o trabalho, a educação, as relações internacionais e, naturalmente, a Justiça!

A Justiça é um dos pelouros que, infelizmente, não tem sido alvo da atenção e dedicação necessárias à sua tutela jurisdicional efetiva – um direito fundamental previsto na nossa Constituição, que também tem sido relegado para segundo plano.

E a verdade é que se anteveem períodos tenebrosos para este pilar da Sociedade, nomeadamente devido ao galopante crescimento do desemprego, das apresentações à insolvência, dos incumprimentos contratuais, dos incumprimentos de créditos bancários e das obrigações fiscais, bem como do aumento exponencial do cibercrime, das práticas de comércio ilícito, entre outros ilícitos comerciais, civis, laborais, fiscais, criminais…

A suspensão dos prazos processuais, determinada já por duas vezes desde o início da Pandemia, e a dificuldade na concretização de diligências, sejam elas presenciais ou através de meios de comunicação à distância, têm acarretado um acumular de processos nas secretarias judiciais, bem como uma paulatina ineficácia da Justiça.

Assim, coloca-se a questão relevante sobre a compensação por danos não patrimoniais resultantes dos ilícitos praticados neste período de Pandemia, ou seja, os ditos “danos morais”.

Posto isto, considerando o período excecional em que nos encontramos, não deverão os Tribunais portugueses passar a adotar também um racional adaptado quanto ao valor da indemnização devida por danos morais resultantes de ilícitos praticados durante a Pandemia?

Os danos morais resultam da lesão de bens distintos ao património do lesado, ou seja, não são a própria ofensa do interesse patrimonial do lesado, mas a consequência nociva dessa mesma ofensa, seja ela sentida na esfera da integridade física, da saúde, da tranquilidade, do bem-estar físico e psíquico, da liberdade, da honra, da reputação, entre outras, tudo em consequência de uma lesão de direitos de personalidade.

O artigo 496.º do Código Civil diz-nos que a fixação da indemnização deste tipo de danos morais atende à gravidade dos mesmos, baseando-se na aplicação de critérios de equidade pelo Tribunal, ou seja, e como referiu já por diversas vezes o Supremo Tribunal de Justiça, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, bem como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

Mas o que pode ser considerado razoável, equilibrado, proporcional, adequado e normal num período que é, por si só, excecional?

É de extrema relevância a necessidade de equilíbrio entre, por um lado, (i) o aumento dos limites máximos de indemnização por danos morais provocados durante a Pandemia, que tem colocado os lesados num estado de maior fragilidade; e, por outro lado, (ii) a eventual dificuldade financeira do lesante em cumprir com o pagamento da indemnização determinada, dada a generalizada debilidade da situação económica atual do cidadão comum.

Defendemos, assim, que a aplicação do critério da equidade pelos Tribunais deverá atender não só às circunstâncias do caso concreto, como é habitual, mas deverá ainda considerar a prática do ilícito num período de crise sanitária global, o qual deverá ser penalizado quando provocar danos morais a pessoas em situação de fragilidade física ou mental em consequência da Pandemia de COVID-19.

Consideramos que os danos morais resultantes de ilícitos provocados pela Pandemia devem ser indemnizados em montantes superiores aos habitualmente praticados pelos Tribunais portugueses, porque a equidade não se pode despir da envolvência do caso concreto, e a verdade é que a Pandemia é uma situação anormal, atípica, imprevisível e com um impacto ainda por calcular, pelo que os danos morais sofridos durante este período deverão ser majorados, mormente pela impossibilidade de a pessoa recuperar junto da Comunidade, que é essencial ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade humana.