Consultoria resiliente!
Por Jorge Nandin de Carvalho, Presidente da Direção da Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC)
As empresas de prestação de serviços de consultoria em Arquitetura e Engenharia tiveram um importante desafio de inovação e modernidade ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado e na 1ª década deste século, grosso modo. O setor esteve na linha da frente do conhecimento e foi um relevante parceiro na modernização do país.
Desde então tem-se vindo a verificar uma tendência para uma certa desqualificação dos nossos serviços, tendo como consequência que as nossas empresas não têm tido a capacidade de manter a inovação e o desenvolvimento das suas equipas ao mesmo ritmo. Esta situação determina que a prazo o setor possa vir a comprometer o desígnio de modernidade que marcou as 4 décadas anteriores, sendo este o principal desafio para a gestão das empresas do nosso setor.
Grande parte do que adiante referiremos tem a ver com o mercado público de aquisição de serviços de consultoria em arquitetura e engenharia, na medida em que a iniciativa e o financiamento continuam a ter maioritariamente origem pública, utilizando sobretudo verbas de programas com financiamento da União Europeia.
Os procedimentos de consulta pelas Entidades Públicas no mercado de consultoria de Estudos e Projetos, bem como no de Fiscalização de Obras, resumem-se – excluindo os procedimentos mais simplificados aplicáveis a contratos de custo baixo (ou urgentes…) – a concursos com pré-qualificação ou a concursos ao preço mais baixo (o mais frequente) ou, por vezes, com alguma ponderação preço/qualidade. Só nos concursos com pré-qualificação é que são tidas em conta a capacidade e a experiência das empresas. Nos concursos correntes essa avaliação não é possível. Como os Donos de Obra Públicos estão sempre atrasados nos seus procedimentos, raramente enveredam por uma pré-qualificação, pois o processo demora mais uns 6 a 9 meses que o concurso direto, o que, para quem já está atrasado, torna a opção inviável. Resulta assim que a maior parte das consultas são abertas a todas as empresas que se considerem capazes de executar um Projeto ou uma Fiscalização, sejam aquelas que têm vários anos de experiência e demonstraram resultados, sejam as que entram no mercado pela primeira vez. A APPC tem procurado atenuar esta incongruência quer através de propostas de redução dos tempos de analise e litigância em processos de pré-qualificação, quer na criação de uma espécie de alvarás para empresas de projeto (já existe um, embora pouco utilizado, para empresas de fiscalização) quer através de recomendações de avaliação de propostas com ponderação de preço/qualidade. Temos até recomendado insistentemente a utilização do chamado sistema dos dois envelopes ou de avaliação das propostas a dois tempos que certamente contribuiria para melhorar os resultados destas prestações de serviços. O lançamento de concursos de Estudos e Projetos ou de Fiscalização de Obras, sem quaisquer critérios de qualidade e sem que a qualidade seja avaliada antes de se conhecer o preço pode degenerar em adjudicações de projetos precipitadas que mais tarde podem trazer grandes complicações na obra e desvios dos custos de construção significativos, sendo provavelmente, juntamente com prazos irrealistas, uma das principais razões para as derrapagens nas obras.
Derrapagens de custos e prazos tornam-se tão mais frequentes quanto piores forem as condições em que se fazem as contratações de projeto ou fiscalização de empreendimentos.
Não nos parece que os nossos governantes e gestores públicos tenham como objetivo, reduzir a capacidade das empresas de projeto, à custa de um esmagamento espiral dos preços de uma parte -que é o projeto- do custo das obras, que só vale uns 2 a 3% (se o “esmagamento” for de 50%, reduz portanto no custo global da obra 1% a 1,5%) no caso de obras significativas tendo como contrapartida, por os projetos poderem estar deficientes ou menos bem pensados, que os restantes 97% a 98% possam ter uma variação/derrapagem de 10% a 20%.
E o que é uma prestação boa de projeto? É relativamente fácil de especificar:
- Um projeto atual bem calculado e desenhado com pormenor;
- Que seja executado nos prazos previstos;
- Que contenha especificações técnicas corretas para os trabalhos que serão realizados;
- Medições corretas e mapa de trabalhos bem elaborado;
- Erros e omissões que não ultrapassem 5% da estimativa do orçamento da obra e que se encontrem incluídos nos cálculos efetuados, ou, o que é o mesmo, que este orçamento contemple implicitamente 5% para imprevistos.
Como pode um Dono da Obra controlar aqueles cinco parâmetros numa consulta?
Na opinião da APPC tal será satisfeito quando os parâmetros de qualidade forem superiores ao preço. Só será eficazmente garantido quando as propostas técnicas forem abertas sem se conhecer o preço, por um lado, e por outro se garanta para cada um dos pontos chave acima referidos como decisivos para a qualidade de um bom projeto, uma análise cuidada das propostas técnicas nos seguintes termos:
- Se o concurso não tiver sido precedido de pré-qualificação, que os concorrentes – e se não for possível, a sua equipa proposta para o trabalho – sejam pontuados em função da experiência específica para aquele trabalho, por exemplo pontuando escalonadamente, de 0 a 100, quem tiver nenhum ou 3 projetos semelhantes (sendo necessário estabelecer os limites de semelhança) ao que está a ser concursado;
- O concurso incluir uma parte de memória técnica que abranja os pontos 2, 3 e 4
- Contenha um plano de trabalhos e, compatível com este e com o orçamento, um cronograma de mobilização de meios humanos técnicos, por especialidade, quantificados em horas de trabalho;
- Indique como serão certificadas as medições, assunto em debate na ordem dos engenheiros;
- Se possa eventualmente estabelecer um sistema de penalização em função dos erros e omissões verificados na fase de concurso, mas sempre limitado a 20% dos honorários de projeto.
Talvez desta forma tornemos as futuras adjudicações de projetos mais compatíveis com a responsabilidade inerente ao projetista, que sendo um precursor, deve ser remunerado de forma a que a atividade global se desenvolva criando núcleos de excelência, tendo em vista até a competição internacional, em lugar de definhar e transformar-se aos poucos e poucos numa atividade crepuscular, incapaz de utilizar meios atuais e de pagar condignamente aos seus colaboradores.
O caminho que estamos a tomar tem estado a conduzir a que os nossos excelentes técnicos Projectistas, abandonem as nossas empresas em busca de melhores salários nos empreiteiros ou no estrangeiro e até em empresas imobiliárias que ganham na venda de um imóvel 5% do seu preço de venda, quando nós, que os concebemos, ganhamos 2% a 5% do custo de construção (isto representa 1% a 3% do preço de venda!).
Que “mercado” é este que insiste em afundar-nos?