
XXVII Barómetro Executive Digest: Álvaro Nascimento
A análise de Álvaro Nascimento, Economista e Professor Universitário
Um pouco por todo o lado se vai respirando um sentimento de que o Estado e as políticas públicas falham. Existe uma perceção de que as respostas são insuficientes e inadequadas à conjuntura e aos condicionalismos – muitos deles estruturais – do momento. Não é fenómeno inédito em Portugal, mas quando inquiridos sobre a utilidade do pacote de 1400 milhões de euros de apoio às empresas, quase metade dos gestores revelam o seu descontentamento sobre a utilidade das medidas. Aproveito o mote apenas para ilustrar o fosso que se cava entre a “economia civil” e a “economia política”, numa vaga presumivelmente de fundo, a julgar pelas aparências entre a espuma dos dias. Uma ordem social emergente e paradoxal, em que que o poder político parece asfixiante ao mesmo tempo que transfere a responsabilidade da esfera pública para o domínio privado. Não do indivíduo, mas de “novas e renovadas” comunidades, como as empresas que se propõem – por opção voluntária – ocupar cada vez mais dos vazios, oferecendo espaços de vivência social alternativos. Progressivamente, os Estados vão-se metamorfoseando. Demitem-se das suas atribuições e competem para ser o local de alojamento preferido das novas organizações sociais que, na época da modernidade, assumem o poder quando escolhem o sítio onde realizar as suas propostas de valor e se empenham num “mundo melhor”: i.e., segundo os cânones contemporâneos, mais sustentável e inclusivo. Ainda temos dúvidas sobre uma nova divisão emergente do poder? E, como corolário, que mais responsabilidades florescem com ele?
Esta tese é propositadamente provatória: utópica, distópica… não sei! Vivemos momentos de mudança, com implicações na organização social do futuro. Espero, com esta pequena nota, inquietar empresários e gestores – estimulando-os para além dos meros palavrões da modernidade de “propósito” e “sustentabilidade”! Se recorrermos à história, podemos procurar paralelismos com outros movimentos de rearranjo de poderes, como o que esteve na origem da laicização do Estado, para ilustrar uma das divisões mais radicais. A menos que alguém não partilhe desta tese antropológica da empresa, não vislumbrando por isso a transformação de fundo que está a acontecer no tecido social. O que não parece ser o caso, como de resto o sinalizam outras tantas respostas deste barómetro!
Testemunho publicado na edição de Dezembro (nº. 201) da Executive Digest, no âmbito da XXVII edição do seu Barómetro.