Por Tiago Cruz Gonçalves, Professor de Finanças do ISEG, Universidade de Lisboa
Hodiernamente, os mercados financeiros atingem novos máximos, levantando receios de sobreaquecimento, ou mesmo de bolha, nos preços dos ativos. O frenesim em torno da inteligência artificial (IA) está no centro das atenções, com anúncios de investimentos de muitos milhares de milhões em IA que fazem lembrar o auge das dotcom no virar do milénio.
Em 1996, o presidente da Reserva Federal dos EUA, Alan Greenspan, perguntava se a “exuberância irracional” elevava indevidamente o preço dos ativos. A frase parecia pressagiar a bolha das empresas dotcom que rebentaria poucos anos depois. Agora, após meses de euforia em torno da Inteligência Artificial, coloca-se a mesma questão: estarão os mercados financeiros sobreaquecidos e prestes a formar uma nova bolha?
Nos Estados Unidos, o índice S&P 500 atingiu valorizações históricas, o rácio Shiller P/E (preço-lucros ajustado ao ciclo) ultrapassou 40 pela primeira vez desde a bolha tecnológica de 2000. Isto significa que as ações americanas atingiram níveis de preço só vistos no auge da bolha dotcom, cujo rebentar em 2000-2002 fez o S&P 500 perder quase metade do seu valor. Os ecos do passado levam reguladores e analistas a soar avisos. O Banco de Inglaterra alertou que o risco de uma correção brusca do mercado aumentou face ao entusiasmo em torno da IA, notando que um abalo nessas expectativas poderia ter efeitos materiais no sistema financeiro. O Fundo Monetário Internacional reconhece paralelos com a bolha das dotcom, mas sublinha uma diferença crucial, o boom atual de IA não está a ser financiado por dívida, assim, mesmo que haja um recuo abrupto das ações, o impacto sistémico deverá ser limitado (ficariam sobretudo acionistas a arcar com perdas). Jeff Bezos, fundador da Amazon, sugere que uma eventual “bolha industrial” de tecnologia não seria tão nefasta quanto uma bolha financeira alavancada, pois embora muitos projetos fracassem, as inovações financiadas podem beneficiar a sociedade quando os mercados estabilizarem.
A investigação cientifica sobre bolhas financeiras ajuda a enquadrar estes fenómenos. Alguns estudos apontam que as bolhas surgem tipicamente em contextos de otimismo generalizado, sobretudo quando existem poucos mecanismos para corrigir avaliações excessivas – por exemplo, restrições a vendas a descoberto que impedem de apostar contra preços em alta. Por outro lado, nesse mesmo ambiente de avaliações inflacionadas, as empresas tendem a aproveitar o preço elevado das suas ações para se financiarem. Huberman e os seus co-autores, no Journal of Monetary Economics verificam que, ao emitir ações a preços inflacionados, as empresas reduzem o custo médio de capital e aumentam o investimento. Em suma, no curto prazo uma bolha bolsista funciona como fonte de capital barato, estimulando a expansão empresarial.
Contudo, esses benefícios são passageiros e trazem riscos sérios quando a bolha rebenta. O modelo de Martin e Ventura, publicado na American Economic Review, mostra que bolhas, enquanto ativas, mitigam fricções financeiras e ampliam investimento e produção, mas ao estalar esses ganhos desaparecem, com quebras acentuadas no consumo, no stock de capital e no produto. E a história dos mercados confirma esse ciclo: primeiro a subida vertiginosa impulsionada por inovação ou liquidez fácil, depois o desengano súbito que desencadeia uma cascata de efeitos e contrai a atividade económica.
Para os gestores e investidores, enfrentar mercados sobreaquecidos exige prudência estratégica. É sensato não presumir que o acesso fácil a capital barato vá durar, reforçando investimento e testando a resiliência do negócio a um eventual aperto financeiro. Ao mesmo tempo, não se deve ignorar que a exuberância pode financiar avanços inovadores. O segredo está em distinguir projetos sustentáveis. Em última instância, bolha ou não, importa manter o foco nos fundamentais e ter planos de contingência.




