Um aceno ‘simpático’ em tom de ameaça: Três caças russos desafiam NATO para a guerra e entram no espaço aéreo da Estónia

Em plena manhã do dia 25 de setembro de 2025, três caças MiG-31 russos entraram deliberadamente no espaço aéreo da Estónia, desencadeando um episódio raro e inquietante que obrigou a Nato a responder.

Pedro Gonçalves
Setembro 26, 2025
10:50

Em plena manhã do dia 25 de setembro de 2025, três caças MiG-31 russos entraram deliberadamente no espaço aéreo da Estónia, desencadeando um episódio raro e inquietante que obrigou a Nato a responder. Durante mais de 12 minutos, as aeronaves russas foram perseguidas por dois caças F-35 italianos, numa das incursões mais longas registadas no território da Aliança Atlântica.

Segundo a reportagem de Memphis Barker, correspondente sénior em Estónia para o Telegraph, a perseguição iniciou-se a partir de uma base aérea situada a cerca de 50 km de Tallinn. Os caças italianos, designados “Ghost 1” e “Ghost 2”, tinham como missão interceptar a ameaça.

A tensão entre os cinco pilotos – três russos e dois italianos – atingiu um momento inesperado. Num gesto que pareceu desafiar, um dos pilotos russos levantou a mão e fez um aceno amistoso aos perseguidores. “Foi um gesto incomum mas carregado de simbolismo”, comentou um oficial presente.

Até então, todas as incursões russas no espaço aéreo estónio eram de curta duração e realizadas em “manobras de canto” sobre zonas desabitadas, como a ilha de Vaindloo. No entanto, desta vez, os MiG-31 penetraram pelo menos cinco milhas dentro do território estónio e prosseguiram até à enclave russa de Kaliningrado, mantendo o curso sem responder a ordens para abandonar o espaço aéreo.

Lieutenant Colonel Gaetano Farina, comandante da força aérea italiana estacionada em Amari sob comando Nato, comentou: “Estamos orgulhosos de como reagimos. É o nosso trabalho e os pilotos mantiveram-se relaxados.” Farina reforçou que não houve qualquer contacto rádio direto com os russos durante a operação.

A Estónia, que não dispõe de caças próprios, depende da Nato para policiar o seu espaço aéreo. Desde o início da rotação italiana em 1 de agosto, houve sete interceptações, mas todas até agora ocorreram em águas internacionais. Este incidente representa uma escalada sem precedentes.

O episódio ocorreu numa altura de intensas operações russas que visam testar a capacidade defensiva da Nato: drones disparados contra a Polónia, aeroportos em Oslo e Copenhaga encerrados devido a drones não identificados, e pressão sobre a Moldávia antes das eleições.

O governo estónio invocou o Artigo 4 da Nato, que prevê consultas em caso de violação de território, perguntando: “E se isto acontecer outra vez? E se for mais grave?” Nos últimos dez anos, a Rússia violou o espaço aéreo estónio cerca de 40 vezes, mas nunca com três caças pesados durante um período tão prolongado.

Segundo Eerik-Niiles Kross, antigo diretor dos serviços secretos estónios, “talvez seja necessário clarificar e pré-acordar os nossos sistemas de resposta.” Um oficial britânico citado pelo Telegraph alertou que a Rússia “procura constantemente empurrar os limites” e que o Reino Unido precisa garantir que as suas forças tenham “equipamento e capacidade suficientes para defender a Estónia.”

As regras de engajamento da Nato são classificadas. No terreno, decisões complexas dependem das “caveats” impostas pelos países que fornecem caças. Em situações menos claras, a decisão final recai sobre o governo nacional responsável pela aeronave. Este episódio expôs fragilidades na cadeia de decisão, com debates no Conselho do Atlântico Norte sobre a vulnerabilidade da Estónia.

O secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Jonatan Vseviov, minimizou a preocupação: “Estamos absolutamente confiantes na nossa capacidade, juntamente com os nossos aliados, de defender a Nato e a União Europeia nesta região.” Contudo, advertiu que a Estónia continua a preparar-se para ameaças “de zona cinzenta”, incluindo operações de propaganda e incidentes de fronteira.

O ministro da Defesa da Estónia, Hanno Pevkur, anunciou um vasto reforço militar até 2029, incluindo sistemas avançados de defesa aérea como o Iris-T. Contudo, sublinhou que o país não adquirirá caças próprios, deixando a decisão de engajar no ar nas mãos da Nato.

Após o incidente, Guido Crosetto, ministro da Defesa italiano, visitou a base de Amari e anunciou a extensão por mais um mês da missão italiana na Estónia, agora incluindo a bateria de defesa aérea Samp/T, capaz de atingir alvos a até 150 km. “Foi a decisão certa no momento certo”, afirmou Crosetto, sublinhando a importância da prontidão militar.

No terreno, os pilotos italianos continuam em treino constante. O episódio deixou uma mensagem clara: as tensões no Báltico estão a subir, e qualquer gesto, mesmo um aceno amistoso, pode ocultar um desafio estratégico maior.

Como concluiu Eerik-Niiles Kross, “precisamos de definir claramente os limites da nossa resposta — antes que seja demasiado tarde.”

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.