O Governo dos Estados Unidos vai recorrer de forma inédita às Forças Armadas para tentar aliviar o colapso do sistema migratório. A decisão, anunciada no final do mês de agosto, prevê que 600 advogados militares sejam destacados para atuar como juízes de imigração temporários, com o objetivo de acelerar os processos de expulsão que se acumulam nos tribunais.
O secretário da Defesa, Pete Hegseth, autorizou oficialmente o envio de militares licenciados em Direito para o Departamento de Justiça (DOJ), através de um memorando datado de 27 de agosto. Um primeiro contingente de 150 juristas será destacado de imediato, seguindo-se outros 450 em fases posteriores, embora sem calendário definido.
Segundo o documento, a missão terá uma duração inicial de 179 dias, podendo ser prorrogada a pedido do Departamento de Justiça. A medida, noticiada pelo New York Post, irá duplicar de facto o número de juízes de imigração em funções, atualmente cerca de 600.
A Casa Branca descreve o plano como “um esforço nacional prioritário” e sustenta que deve beneficiar tanto os funcionários do sistema como os migrantes que aguardam decisão sobre os seus casos.
Tribunais sobrecarregados
O colapso do sistema migratório tem-se agravado sob a presidência de Donald Trump, que intensificou as redadas e deportações desde a sua chegada à Casa Branca. Atualmente, a acumulação de processos ultrapassa os 3,5 milhões de casos, e em alguns tribunais os tempos de espera superam os quatro anos.
A urgência em reduzir atrasos levou o Governo a pedir apoio ao Pentágono, numa altura em que a política migratória enfrenta novos entraves judiciais.
No dia 29 de agosto, a juíza federal Jia Cobb, nomeada por Joe Biden, bloqueou parcialmente o plano da Casa Branca para acelerar expulsões, determinando que os migrantes que se encontram há menos de dois anos nos EUA têm direito a um procedimento legal completo antes de serem deportados.
Um porta-voz do Departamento de Segurança Interna classificou a decisão como “ativista” e acusou o tribunal de “ignorar a autoridade do presidente ao abrigo do Artigo II da Constituição e da lei federal”.
O envolvimento de advogados militares em funções judiciais civis levanta sérias questões sobre a separação de poderes e a independência judicial. Embora estes juristas tenham experiência em tribunais marciais, nunca tinham sido mobilizados em massa para desempenhar funções em tribunais de imigração.
Organizações de defesa dos direitos civis alertaram que a medida poderá fragilizar ainda mais as garantias processuais dos migrantes, num contexto em que a Administração Trump procura ultrapassar limitações legais para acelerar deportações.
O Pentágono, no entanto, insiste que a decisão “responde exclusivamente a um pedido do Departamento de Justiça” e assegura que os advogados manterão “plenas competências jurídicas” durante o tempo em que forem designados para o novo papel.
Uma agenda marcada pela imigração
A utilização das Forças Armadas para reforçar os tribunais confirma que a imigração continua a ser o eixo central da agenda presidencial de Donald Trump.
Após ver travada a aplicação da Lei de Estrangeiros de 1798 — que previa a expulsão imediata de migrantes venezuelanos considerados pelo Governo como “invasão” —, a Casa Branca aposta agora numa solução institucional alternativa para duplicar a capacidade de resposta do sistema judicial migratório.
Para os críticos, esta opção representa mais um passo na militarização da política migratória norte-americana. Para os apoiantes, é uma ferramenta necessária para restabelecer a ordem num sistema que enfrenta o maior congestionamento da sua história.
Independentemente das posições em confronto, a chegada de juízes fardados às cortes de imigração abre um novo capítulo na longa batalha política e judicial sobre o futuro dos migrantes nos Estados Unidos.














