Três meses, três ‘alvos’ afastados. Governo arrisca crise em setores-chave com exonerações

Se agora Montenegro tinha uma boa oportunidade de acalmar os ânimos, responder a reivindicações e trazes alguma estabilidade, a verdade é que a troca de cadeiras numa altura tão delicada, e de cargos tão importantes, pode levar à paralisação da administração desses setores – e trazer (ainda) mais problemas.

Pedro Gonçalves
Maio 12, 2024
10:30

A recente onda de exonerações no Governo português, que atingiu figuras proeminentes como Fernando Araújo, José Barros Correia e Ana Jorge, está a gerar considerável controvérsia e preocupação entre especialistas em Administração Pública e a população em geral. A rápida substituição desres profissionais, considerados “de topo” em suas áreas de atuação, levanta questões sobre a estabilidade e eficácia da gestão pública em setores críticos como saúde e segurança, precisamente numa altura em que as tensões estão exacerbadas, e se procurava pôr ‘água na fervura’.

Protestos de médicos e enfermeiros, concentrações e vigílias das Forças de Segurança, negociações sem sucesso marcaram o anterior Executivo de Costa e, se agora Montenegro tinha uma boa oportunidade de acalmar os ânimos, responder a reivindicações e trazes alguma estabilidade, a verdade é que a troca de cadeiras numa altura tão delicada, e de cargos tão importantes, pode levar à paralisação da administração desses setores – e trazer (ainda) mais problemas.

Araújo sai em ‘guerra’ com ministra da Saúde
Fernando Araújo, que dava cartas como diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), surpreendeu muitos ao apresentar sua demissão após 15 meses no cargo. A sua saída surgiu no âmbito de divergências com a nova ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e levanta preocupações sobre a continuidade das políticas de saúde e o impacto na prestação de serviços de saúde à população.

A falta de diálogo e cooperação entre o governo e profissionais de saúde de destaque, como Araújo, agora afastado, pode prejudicar ainda mais a eficácia das políticas de saúde.

Em causa estava o despacho em que Ana Paula Martins exigia que a Direção Executiva do SNS realizasse um relatório com tudo o que foi feito pelo organismo desde a sua criação, no prazo de 60 dias. Araújo respondeu depois, que se demitiria logo após a conclusão do relatório e estalou o verniz, com o responsável a adiantar dispensar qualquer indemnização.

A ministra aceitou mas sublinhou que o próximo diretor executivo do SNS vai mesmo levar a cabo “efetivas reformas”. Logo depois nova polémica que deixa antever uma situação complicada na Saúde em Portugal: Pedido plano para o verão, Araújo recusou realizá-lo por estar “de saída”.

Sem plano, sem DE-SNS, e com enchente de turistas no verão, e consequente afluência aos hospitais, adivinham-se pressões bastante complicadas no setor nos próximos meses.

Ana Jorge e as dores de cabeça na Santa Casa
Ana Jorge, ex-ministra da Saúde e provedora da Santa Casa da Misericórdia, foi envolvida em polémica após ser exonerada devido a alegações de má gestão e inação.

As acusações feitas pela ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma, foram contestadas por Ana Jorge, que prometeu apresentar documentos que refutem as alegações.

A governante foi depois mais longe e admitiu, em entrevista que a mesa da Santa Casa beneficiou-se a si própria, indicando que elementos tiveram o seu vencimento aumentado.

“São mentira. Com 50 anos de Função Pública, foi a primeira vez que fui desta maneira tratada e isso é algo impossível de aceitar nesta fase da minha vida. Portanto, sinto-me muito maltratada”, respondeu Ana Jorge.

Os problemas de comunicação foram amplamente apontados pro vários comentadores e analistas, e a importância da Santa Casa para as contas do Governo significa que o tema deveria estar a ser tratado ‘com pinças’.

Diretor nacional da PSP afastado poucos meses depois
José Barros Correia, que ocupava o cargo de diretor nacional da PSP há apenas seis meses foi outra das ‘surpresas’ amargas entregues pelo novo Governo. Acabou exonerado esta semana. A sua substituição súbita, anunciada pela ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, como parte de uma “reestruturação operacional”, gerou descontentamento e incerteza dentro das forças policiais.

Barros Correia era muito bem visto entre os polícias que chefiava e revelou-se peça-chave a acompanhar as reivindicações destes profissionais por melhores salários, no âmbitos dos protestos e manifestações dos últimos meses, mantendo-se ao lado dos operacionais.

Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional Oficiais de Polícia assumiu ter ficado “completamente surpreendido” com a exoneração, especialmente num “período de elevada turbulência”. Foram pedidos esclarecimentos à ministra, que ainda não os adiantou totalmente, mas já há substituto empossado.

Luís Carrilho, antigo chefe de segurança de Marcelo Rebelo de Sousa e de Cavaco Silva, foi o escolhido pelo Governo mas, se por um lado é próximo do partido e poderá ajudar a gerir as tensões com os sindicatos, por outro tem estado afastado do cenário nacional, e com cargos em organismos internacionais, como conselheiro de polícia das Nações Unidas ou diretor da divisão de polícia no Departamento de Operações de Paz da ONU

Assim, a falta de estabilidade na liderança da polícia pode comprometer a eficácia das operações de segurança e a confiança do público nas forças de segurança, outro setor que tem dado grandes provas de descontentamento, e que arrisca ver agravada a sua situação com as mexidas.

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