O Supremo Tribunal dos Estados Unidos inicia esta quarta-feira a audição sobre a legalidade das amplas tarifas aduaneiras impostas por Donald Trump — uma das peças centrais da sua política económica e externa. O processo, que decorre após tribunais inferiores terem concluído que o presidente ultrapassou os seus poderes ao invocar uma lei de emergência nacional, representa um teste decisivo ao alcance do poder executivo americano.
De acordo com a ‘Reuters’, as tarifas fazem parte da guerra comercial global desencadeada por Trump desde o seu regresso à presidência em janeiro, que tem provocado fricções com parceiros internacionais, aumentado a volatilidade nos mercados e alimentado a incerteza económica mundial. Segundo a ‘Euronews’, o caso poderá limitar ou mesmo retirar ao presidente um dos instrumentos mais contundentes da sua política: a utilização das tarifas como forma de pressão política, económica e diplomática.
Trump transformou as taxas alfandegárias num verdadeiro instrumento de poder, aplicando-as não apenas para renegociar acordos comerciais, mas também como alavanca em conflitos internacionais e disputas políticas. Utilizou-as para pressionar países em guerra a aceitar cessar-fogos, forçar governos a conter fluxos migratórios e de drogas, e até retaliar o Canadá após a divulgação de um anúncio televisivo considerado hostil. No caso do Brasil, recorreu às tarifas como forma de pressão política depois de a justiça brasileira ter processado um antigo aliado.
O Departamento de Justiça defende que Trump atuou dentro das suas prerrogativas, argumentando que a imposição de sanções comerciais faz parte dos poderes do presidente na condução de assuntos externos, uma área em que, segundo a administração, os tribunais não devem interferir. Ainda assim, dois tribunais de primeira instância e a maioria dos juízes do Tribunal de Recurso para o Circuito Federal decidiram que o presidente não tinha autoridade, ao abrigo da Lei dos Poderes Económicos de Emergência Internacional (IEEPA), de 1977, para impor tarifas — um poder constitucionalmente reservado ao Congresso.
Apesar dessas decisões, as tarifas continuam em vigor enquanto o Supremo Tribunal analisa o caso. A Casa Branca afirma estar confiante numa “vitória final”, mas admite preparar planos de contingência caso o tribunal decida contra o presidente. “Temos planos de reserva, mas acreditamos que o Supremo fará o que é correto para o país”, declarou a secretária de imprensa Karoline Leavitt.
Trump, que classificou o processo como “um dos mais importantes da história dos EUA”, admitiu ter ponderado assistir pessoalmente às audiências, antes de recuar, para não “desviar a atenção da decisão”.
Para especialistas, o “armamento tarifário” do presidente está a remodelar tanto a economia como a diplomacia americana. Josh Lipsky, do Conselho Atlântico, explica que Trump “usou as tarifas como a espinha dorsal da sua agenda de segurança nacional”, ao contrário de presidentes anteriores, que recorriam a sanções financeiras ou ao congelamento de ativos. A título de exemplo, no início do ano, Trump ameaçou impor tarifas de 30% sobre produtos europeus — uma medida que levou a União Europeia a negociar uma taxa de 15% em troca de garantias sobre a NATO e o apoio à Ucrânia.
A decisão do Supremo Tribunal poderá ter consequências globais. Segundo analistas citados pela Reuters e pela Euronews, uma derrota de Trump deixaria os parceiros internacionais incertos quanto à validade dos acordos comerciais mais recentes e poderia forçar a administração a recorrer a mecanismos legais mais lentos e burocráticos.
Emily Kilcrease, antiga representante adjunta para o comércio dos EUA, considera que há “fortes hipóteses” de o tribunal dar razão a Trump, uma vez que a IEEPA concede “poderes amplos e flexíveis em situações de emergência”. Ainda assim, reconhece que “nunca houve precedente” para a forma como o presidente tem usado as tarifas — não como um bisturi, mas “como uma marreta” —, transformando-as num instrumento de pressão em larga escala.
Seja qual for a decisão, o caso define mais do que uma disputa jurídica: coloca em causa a própria arquitetura da política económica e externa dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump.














