Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), confirmou a greve marcada para esta terça e quarta-feira, tendo defendido a necessidade de um mediador independente e externo para conduzir as negociações com o Ministério da Saúde sobre a valorização da carreira, alegando o impasse no processo que decorre desde 2022. À greve dos médicos acresce o protesto dos enfermeiros, durante quatro dias, na Área Metropolitana de Lisboa.
Contactada pela ‘Executive Digest’, a responsável sindical garante que estes dois dias não vão ser de caos no SNS.
“Temos os serviços mínimos garantidos e os serviços assegurados: não me parece que será um caos. Nunca tivemos intenção de prejudicar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Tivemos ocasião de falar com membros da organização da JMJ, com o bispo Américo Aguiar (presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude), que percebe que vários trabalhadores usem a JMJ para protestar. Disse ainda que se chegar ao fim da JMJ com vários problemas resolvidos seria magnífico”, apontou Joana Bordalo e Sá.
A luta dos médicos com o Governo não dá mostras de abrandamento. “Estamos há 15 meses neste processo. É tempo a mais, o SNS não tem tempo para esperar. Tivemos paciência e responsabilidade de termos ido a quatro reuniões extra-processo e na verdade não temos nada de útil para oferecer aos médicos e utentes do SNS. Foi um arrastar no tempo, que acreditamos que só pode ter sido de forma propositada, que revela falta de vontade e competência para resolver a situação”, acusou Joana Bordalo e Sá, sublinhando que esta “não é uma luta da defesa estrita dos médicos, é uma luta da defesa do SNS”.
Esta terça-feira a FNAM vai apresentar a contraproposta ao Ministério da Saúde liderado por Manuel Pizarro. “O que o ministro pretende do SNS é uma incógnita. Não é só uma questão salarial, não é verdade que se generalize o atual modelo B, apesar do que têm dito. Mas na realidade é um modelo inferior ao atual modelo B, com limitações para os médicos. Não é verdade que vá trazer mais médicos nos hospitais em cirurgia ou consultas. Os médicos vão continuar cansados e a querer sair do SNS. Pedem que trabalhem mais quatro meses do que restantes profissionais de saúde, é indigno”, apontou, apelando ao ministério que se deixe de “medidas medievais”.
“O ministério da Saúde tem de se deixar de ideias radicais e de ser intransigente e negociar de forma séria”, concluiu, sublinhando não ter havido qualquer indicação do Executivo sobre a presença de um mediador nas negociações entre sindicatos e Governo.
A reunião da passada sexta-feira com o Ministério da Saúde serviu para a FNAM receber formalmente a proposta que tinha sido enviada pelo Governo na madrugada de quinta-feira, por via eletrónica, o que aconteceu “ao fim de cerca de 15 meses” de negociações, o que “demonstra uma profunda má-fé por parte do Ministério da Saúde” neste processo.
De acordo com a dirigente sindical, a proposta do ministério é “totalmente inaceitável”, uma vez que representa uma “escravatura do trabalho dos médicos” e porque “não traz nada de bom para os doentes e utentes” do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Não é verdade que a generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B vá acontecer, porque o que nos está a ser proposto é um modelo B de barato, em que os médicos têm limitações às prescrições de análises e exames, o que vai prejudicar os utentes e doentes”, afirmou Joana Bordalo e Sá.
A presidente da estrutura sindical adiantou ainda que “não é verdade que vá haver mais capacidade dos hospitais” para realizarem consultas e cirurgias, tendo em conta que, de acordo com a proposta governamental, os “médicos vão continuar a fazer 18 horas de urgência”.
“O que é verdade é que os médicos vão continuar a estar muito cansados, sem conseguir conciliar a sua vida profissional com a vida pessoal e familiar, e vão continuar a sair do SNS”, alertou a presidente da FNAM.
Na prática, o que está a ser proposto aos sindicatos é que os “médicos trabalhem mais quatro meses” por ano do que os restantes profissionais de saúde, sublinhou a presidente da FNAM, ao explicar que a proposta prevê a manutenção das 40 horas semanais e um limite de 300 horas extraordinárias por ano, em alternativa às atuais 150.
O Sindicato Independente dos Médicos também confirmou que irá manter a convocatória para a greve.
Segundo adiantou o Ministério da Saúde, ficaram agendadas duas reuniões para 9 de agosto, uma focada no decreto-lei que permitirá a generalização das USF modelo B e outra da mesa negocial.
O protocolo negocial assinado em 2022 entre os sindicatos e o Governo previa inicialmente que as negociações ficassem concluídas até final de junho, mas, com a reunião realizada na passada sexta-feira, já foram realizados mais quatro encontros desde então.
As negociações começaram formalmente com a equipa do ministro Manuel Pizarro, mas as matérias a negociar foram acordadas com a anterior ministra, Marta Temido, que aceitou incluir a grelha salarial dos médicos do SNS no protocolo negocial.
Em cima da mesa estão as normas particulares de organização e disciplina no trabalho, a valorização dos médicos nos serviços de urgência, a dedicação plena prevista no novo Estatuto do SNS e a revisão das grelhas salariais.
Enfermeiros seguem protesto com quatro dias de greve
O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) também marcou uma greve de quatro dias na Área Metropolitana de Lisboa. “O Sindepor viu-se obrigado a avançar para a greve perante o imobilismo do Ministério da Saúde. Chegou um novo ministro, criou-se uma direção executiva do SNS, todos os dias há declarações públicas destes responsáveis, mas a verdade é que o SNS continua a degradar-se, como infelizmente sentem os profissionais e os portugueses em geral”, adiantou, citado em comunicado, o presidente do sindicato, Carlos Ramalho.
A paralisação dos enfermeiros vai abranger os 18 concelhos da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e decorrerá entre esta meia-noite até às 24 horas do dia 4 de agosto, período em que Lisboa estará a acolher a edição deste ano da Jornada Mundial da Juventude (encontro de milhares de jovens com o Papa Francisco), com as principais cerimónias a terem lugar no Parque Eduardo VII e no Parque Tejo, a norte do Parque das Nações, na margem ribeirinha do Tejo.
“Uma das provas mais flagrantes da degradação do SNS está no número de portugueses sem médico e enfermeiro de família. Já vamos em 1,7 milhões e o número não para de aumentar. É evidente para todos que o país precisa de mais profissionais para colmatar estas carências”, salienta Carlos Ramalho.
O dirigente alerta também para o despedimento de enfermeiros, dizendo que o “Ministério das Finanças manda mais no país do que o Ministério da Saúde”.
“Apenas recorremos à greve em situações limite”, justifica, considerando que os enfermeiros chegaram a essa situação de exaustão por sobrecarga de trabalho, idade avançada e por “injustiças que têm de suportar no dia-a-dia”, explicou.
A força sindical pretende a integração imediata nos quadros das instituições dos enfermeiros com vínculos precários, o cumprimento das dotações seguras através da contratação de enfermeiros, cumprindo-se a autonomia para contratar e a abertura de concursos para as várias categorias desta profissão.
Exigindo a criação de um modelo de Avaliação do Desempenho justo, transparente e exequível, o sindicato pede também a imediata abertura de negociações com a tutela para a concretização de uma nova carreira de enfermagem que, entre outros aspetos, compense o risco e desgaste rápido e penosidade inerente à profissão.













