Na serena vila de Lanjarón, situada na região montanhosa da Andaluzia, em Espanha, morrer é, desde 1999, tecnicamente ilegal. A proibição foi instituída por decreto municipal, não como metáfora de exaltação da vida, mas como uma medida literal — embora simbólica — tomada face a um problema muito concreto: a falta de espaço no cemitério local.
O decreto foi assinado por José Rubio, então presidente da câmara, num gesto que oscilava entre a provocação política e o humor negro. “Fica por este meio proibido morrer em Lanjarón”, declarou Rubio, numa medida que pretendia chamar a atenção para a sobrelotação do único cemitério da vila e pressionar as autoridades regionais a agir.
Rubio explicou ao jornal norte-americano Deseret News que não detinha o controlo sobre a mortalidade dos seus munícipes: “Sou apenas um presidente de câmara. Acima de mim está Deus, que é em última instância quem gere as coisas”. Ainda assim, incentivou os habitantes a cuidarem da saúde e a evitarem morrer “até que a câmara municipal tome as medidas necessárias para adquirir terreno adequado para os nossos falecidos descansarem em glória”.
A medida, noticiada pela Vice, foi um protesto satírico perante anos de impasse: o cemitério de Lanjarón estava há muito sem espaço e não se vislumbrava solução. Embora a proibição de morrer não tenha tido qualquer consequência legal — ninguém foi punido por falecer —, teve o efeito pretendido ao atrair atenção mediática e gerar um debate público sobre a situação.
“Todos levaram o decreto com sentido de humor e um forte desejo de o cumprir”, disse Rubio à imprensa da altura. A lei, embora ineficaz em termos práticos, acabou por ganhar estatuto de curiosidade local e continua, até hoje, a ser uma referência insólita da vila.
Passaram-se 26 anos desde então, e Lanjarón continua com o mesmo cemitério — ainda o único da localidade. A lei nunca foi revogada formalmente e a falta de espaço para sepulturas permanece um problema por resolver.
Fontes termais e vida longa: um toque irónico
Curiosamente, Lanjarón é conhecida pelas suas nascentes de água mineral e pelo turismo de bem-estar associado à sua tradição termal. Esta vocação para a longevidade dá uma nova dimensão irónica ao decreto: se há sítio onde não morrer parece mais plausível, é talvez aqui.
Nos últimos tempos, a vila voltou a captar atenção graças às redes sociais. O TikTok redescobriu Lanjarón como destino de saúde e relaxamento, o que trouxe novamente à tona a velha lei da proibição da morte, agora destacada em páginas de memes e blogues de viagens.
Lanjarón não é caso único. Em várias partes do mundo, outras localidades recorreram a medidas semelhantes — sempre com um propósito político ou simbólico. No arquipélago norueguês de Svalbard, por exemplo, é proibido nascer, morrer e até ter gatos. O motivo prende-se com o permafrost, uma camada de solo permanentemente congelada que impede a decomposição dos corpos, tornando arriscada a prática de sepultamento tradicional.
Em França, as aldeias de Le Lavandou (2000) e Cugnaux (2008) também decretaram proibições de morte quando as autoridades nacionais impediram a ampliação dos cemitérios locais. A medida era sempre uma forma de protesto: se não há onde enterrar os mortos, então que não se morra.
Táticas semelhantes foram usadas em Biritiba Mirim, no Brasil (2005), e em Falciano del Massico, Itália (2012). Em todos os casos, o objetivo era o mesmo: forçar o Estado ou instâncias superiores a resolver o problema da escassez de espaço para os falecidos.
E, na maioria dessas localidades, a pressão surtiu efeito. As proibições, mesmo absurdas, acabaram por levar à ampliação dos cemitérios ou à construção de novos. Lanjarón, porém, parece ser a exceção: passados 26 anos, ninguém esqueceu o decreto — mas o problema continua por resolver.
Enquanto isso, os habitantes vão vivendo — e, espera-se, adiando ao máximo qualquer infração à lei mais surreal da vila.














