Satélites da SpaceX ameaçam esconder asteroides perigosos a caminho da Terra

Estas dificuldades de deteção tornam especialmente perigosos asteroides como o de Chelyabinsk (Rússia), cuja explosão em 2013, a uma altura de 30 quilómetros, lançou o equivalente a cerca de 30 bombas atómicas como a de Hiroshima

Francisco Laranjeira
Maio 11, 2024
16:30

A 21 de janeiro, o mundo sofreu um impacto incomum de um asteroide em Berlim: o ‘2024 BX1’ tinha à sua espera centenas de pessoas, que sabiam para onde olhar para o procurar – 95 minutos antes, a NASA emitiu um aviso que previa quando, como e onde exatamente ia ocorrer o impacto, nos arredores da capital alemã.

Três horas antes do impacto, o asteroide ‘2024 BX1’ era completamente desconhecido pela ciência. O astrónomo húngaro Krisztián Sárneczky foi a primeira pessoa a observá-lo e rapidamente enviou um alerta ao ‘Minor Planet Center’ – a instituição disponibilizou os seus dados à comunidade astronómica internacional e rapidamente chegaram novas confirmações de observatórios de toda a Europa. Apenas 70 minutos após a descoberta, o sistema Scout da NASA confirmou que a probabilidade de impacto com a Terra era de 100% e, em menos de meia hora, novos dados permitiram precisar a trajetória e o tamanho do asteroide, que mal tinha um metro, o que o deixava na categoria ‘inofensivo’.

Este encontro celestial com duplo final feliz, tanto pela ausência de danos como pelo sucesso na deteção precoce e reação rápida, tem sido um marco para os cientistas que trabalham nos sistemas de defesa planetária da Terra. No entanto, os seus esforços colidem com os planos de Elon Musk de adicionar dezenas de milhares de satélites nos próximos anos à rede Starlink, operada pela sua empresa espacial SpaceX, para fornecer cobertura global de Internet de banda larga. Os astrónomos não escondem a sua preocupação.

O think tank da União Astronómica Internacional publicou um relatório sobre constelações de satélites artificiais, como as da SpaceX, OneWeb e Amazon. No documento, é exortado que se tomem medidas contra a atual proliferação descontrolada, depois de ter confirmado que – entre outros efeitos negativos para a astronomia – ameaça a capacidade de detetar asteroides e cometas que passam nas proximidades do nosso planeta: os chamados ‘objetos próximos à Terra’, conhecidos como NEO pela sigla em inglês.

“A tendência é muito preocupante. Quando comecei a minha busca intensiva por NEO com este telescópio, há quatro anos, um satélite raramente cruzava o campo de observação. Mas hoje não há uma das minhas imagens que não tenha pelo menos um vestígio de satélite”, indicou Krisztián Sárneczky.

Detetar um asteroide antes que ele atinja a Terra é excecional: até ao momento foi feito oito vezes – dessas, três foram por Sárneczky, que alertou para as consequências desse boom de novos satélites. “Se continuar neste ritmo, um objeto celeste vindo em direção à Terra passará despercebido por nós, porque um satélite passa bem na sua frente em uma ou mais imagens astronómicas”, alertou o especialista. Em 2020, a frota Starlink não chegava a 800 aparelhos, agora são 6 mil e Musk planeia chegar a 42 mil nos próximos anos.

Esta previsão coincide com a de Siegfried Eggl, investigador da Universidade de Illinois focado no estudo dos NEOs e no impacto das megaconstelações de satélites: “Hoje, a sua interferência na defesa planetária é insignificante. Mas isso poderá mudar em breve, especialmente se o brilho dos satélites não for reduzido. Além do recente aumento no ritmo de lançamentos, a FCC [a Comissão Federal de Comunicações dos EUA] já recebeu pedidos para lançar centenas de milhares de outros.”

Estas dificuldades de deteção tornam especialmente perigosos asteroides como o de Chelyabinsk (Rússia), cuja explosão em 2013, a uma altura de 30 quilómetros, lançou o equivalente a cerca de 30 bombas atómicas como a de Hiroshima; Na superfície, a onda de choque causou grandes danos e ferimentos. Os atuais sistemas de defesa planetária pretendem poder detetá-los a tempo, para notificar as autoridades caso o impacto possa causar danos em áreas povoadas. Mas, satélites como os do Starlink são uma dificuldade adicional: essas estrelas artificiais e móveis brilham especialmente nos mesmos horários e áreas em que os astrónomos saem em busca de NEO perigosos.

“Em geral, durante o crepúsculo há muito mais vestígios de satélite. Este é o momento em que os satélites refletem a maior parte da luz solar de volta para nós, porque ainda não entraram na sombra da Terra”, explicou Siegfried Eggl, investigador da Universidade de Illinois, “É difícil dizer quantos asteroides perderemos devido à interferência de constelações de satélites, mas os resultados preliminares dizem-nos que perderemos um em cada cinco que descobrirmos. Isso acontecerá se as operadoras não adotarem amplamente medidas apropriadas para reduzir o brilho dos satélites.”

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.