Rússia sob cada vez mais pressão: Arsenais no limite forçam dependência da Coreia do Norte e Irão para manter guerra na Ucrânia

A análise é do Instituto da Escola de Economia de Kiev (KSE), que cruzou dados logísticos detalhados sobre o movimento de equipamento e fornecimentos militares russos.

Pedro Gonçalves
Julho 28, 2025
15:27

Mais de três anos após o início da invasão em grande escala da Ucrânia, a Rússia enfrenta uma crise logística crescente, com os seus antigos arsenais soviéticos praticamente esgotados e uma dependência cada vez mais visível de aliados asiáticos como a Coreia do Norte e o Irão. A análise é do Instituto da Escola de Economia de Kiev (KSE), que cruzou dados logísticos detalhados sobre o movimento de equipamento e fornecimentos militares russos.

Segundo o relatório agora divulgado, o volume de material transferido das principais zonas de armazenamento russas para a linha da frente sofreu uma queda abrupta. Em 2022, durante o auge da ofensiva, foram movimentadas cerca de 242 mil toneladas de equipamento. Em 2025, esse valor deverá descer para 119 mil toneladas, refletindo, segundo os analistas, um esgotamento crítico dos recursos.

“O equipamento mais fácil de restaurar e de melhor qualidade já foi mobilizado. O que resta é mais difícil de recuperar ou está inutilizável”, explicou Pavlo Shkurenko, analista do KSE.

Face à escassez, Moscovo tem vindo a recorrer a equipamento obsoleto para sustentar o esforço de guerra. Entre os sistemas destacados estão os tanques T-72 e T-80, introduzidos nos anos 1970, e até T-54, cuja origem remonta à década de 1940. No entanto, esta estratégia parece já não ser suficiente para manter a máquina militar em funcionamento com eficácia.

Apesar da redução drástica na mobilização de veículos e munições, especialistas alertam para análises precipitadas. Franz-Stefan Gady, analista militar baseado em Viena, citado pelo Financial Times, considera que a retração logística pode refletir uma reconfiguração táctica russa, e não apenas um colapso material. Gady sublinha ainda que Moscovo está a investir na reconstrução dos seus stocks, apesar das limitações evidentes.

Pyongyang assume papel central na logística russa
Um dos elementos mais surpreendentes revelados pela investigação do KSE é o grau de dependência da Rússia em relação à Coreia do Norte. Em 2024, mais de metade dos explosivos recebidos pelas forças russas, em peso, chegaram através do porto de Nakhodka, na costa do Pacífico, estabelecendo uma nova rota logística que liga directamente ao regime norte-coreano.

Antes da invasão da Ucrânia, não existiam registos de fornecimento militar entre os dois países. Agora, estima-se que a Coreia do Norte tenha enviado cerca de 250 mil toneladas de material explosivo só em 2024. O chefe da inteligência militar ucraniana, Kyrylo Budanov, estima que cerca de 40% da munição usada pela Rússia tem origem norte-coreana. Esta avaliação é corroborada pelo KSE e por fontes da inteligência da Coreia do Sul, que relatam o envio de 28 mil contentores, além de mísseis balísticos, obuses e até contingentes militares.

“O contraste com a imagem de autossuficiência militar que Moscovo tenta projetar é absolutamente chocante”, sublinha Shkurenko, reforçando a ideia de um esforço de guerra russo alimentado do exterior.

Irão e China também integram rede de apoio
O Irão surge igualmente como parceiro ativo na cadeia logística russa. De acordo com o KSE, cerca de 13 mil toneladas de explosivos entraram na linha de abastecimento militar de Moscovo provenientes de rotas próximas do mar Cáspio, indício claro da contribuição iraniana para o esforço de guerra russo.

Apesar de Pequim continuar a negar o fornecimento de armamento letal a Moscovo, os dados analisados pelo instituto ucraniano revelam uma participação crescente da China na sustentação da indústria militar russa. Desde 2021, os envios de maquinaria e componentes industriais provenientes das regiões fronteiriças chinesas para zonas industriais militares da Rússia duplicaram, ultrapassando os três milhões de toneladas.

“Mesmo sem fornecer munições ou armas, a China está a garantir os meios para que a máquina militar russa continue a operar”, afirmou Lucas Risinger, outro analista do KSE.

Estratégia de poupança de munições nacionais
Segundo Gady, Moscovo estará a racionar o uso de munições de fabrico nacional, utilizando preferencialmente o armamento fornecido por Pyongyang para manter o ritmo de fogo na frente de combate na Ucrânia. Esta estratégia permitiria conservar stocks russos para potenciais futuros conflitos mais alargados, incluindo, adverte, um eventual confronto com a NATO.

O relatório do KSE traça assim um retrato preocupante da atual capacidade militar russa: uma força que continua operacional, mas cujo suporte logístico já depende fortemente de regimes autoritários asiáticos, contrariando a imagem de soberania e resiliência que o Kremlin tenta projetar no exterior.

A guerra na Ucrânia, mais do que um confronto territorial, transforma-se assim numa batalha de resistência logística, na qual a sobrevivência da máquina de guerra russa depende, cada vez mais, da ajuda de Pyongyang, Teerão e, indiretamente, de Pequim.

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