Rússia admite cimeira entre Putin e Zelensky sob pressão do ultimato de Trump

A novidade foi avançada esta segunda-feira por Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, que sublinhou que tal encontro dependerá de uma preparação prévia entre especialistas dos dois países.

Pedro Gonçalves
Agosto 4, 2025
14:19

Moscovo admite, pela primeira vez em meses, a possibilidade de uma reunião entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, sinalizando uma mudança de postura num momento em que cresce a pressão dos Estados Unidos para alcançar uma trégua no conflito. A novidade foi avançada esta segunda-feira por Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, que sublinhou que tal encontro dependerá de uma preparação prévia entre especialistas dos dois países.

“O trabalho preparatório para uma reunião como esta ainda não foi realizado”, declarou Peskov, numa conferência de imprensa. “Quero sublinhar que o presidente Putin não descarta que esse encontro seja possível depois da preparação ao nível de peritos”, acrescentou.

A declaração marca um ponto de viragem, já que o Kremlin rejeitava até agora qualquer encontro sem garantias de que a reunião validaria os “objectivos alcançados” pela Rússia desde o início da invasão da Ucrânia em 2022.

A abertura de Moscovo coincide com o endurecimento da posição do presidente dos EUA, Donald Trump. Após uma postura inicial conciliadora em relação a Putin, o líder norte-americano admitiu pela primeira vez, em julho, o envio de armamento para a Ucrânia — embora através da compra prévia por aliados europeus.

Além disso, Trump impôs um ultimato que termina esta sexta-feira, 8 de agosto: se até lá a Rússia não demonstrar abertura para aceitar uma trégua e iniciar negociações de paz, Washington aplicará um novo pacote de sanções económicas, não só contra Moscovo, mas também contra os países que continuem a importar recursos energéticos russos.

A Índia surge como principal alvo deste pacote secundário. Sendo o segundo maior importador de petróleo russo, a seguir à China, Nova Deli está sob pressão crescente da Casa Branca. Contudo, os Estados Unidos têm evitado um confronto directo com Pequim, que já declarou que não deixará de comprar petróleo e gás russos.

Mediação turca e sinais discretos
Paralelamente, a Turquia tem desempenhado um papel activo na tentativa de promover um encontro entre os dois presidentes. O chefe da diplomacia turca, Hakan Fidan, afirmou a 26 de julho ao canal NTV que o governo de Ancara recebeu sinais positivos de Moscovo quanto à viabilidade da cimeira.

Desde maio, as delegações da Rússia e da Ucrânia reuniram-se três vezes em Istambul, com resultados modestos. Os principais avanços deram-se ao nível do intercâmbio de prisioneiros de guerra e de corpos de combatentes falecidos.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia confirmou, após o encontro mais recente a 23 de julho, que detectou uma postura “mais receptiva” da parte russa.

Obstáculos persistem: exigências russas são draconianas
Apesar destes sinais, os obstáculos à paz mantêm-se significativos. Moscovo continua a exigir, como condição prévia para qualquer cessar-fogo, que o Ocidente cesse o envio de armamento para a Ucrânia, que Kiev abandone definitivamente a intenção de aderir à NATO e que as forças armadas ucranianas se retirem das quatro províncias que a Rússia considera parte do seu território.

Entretanto, no terreno, a guerra intensifica-se. A Rússia lançou no final de maio uma ofensiva de verão e tem feito progressos no leste ucraniano ao ritmo mais acelerado do ano. Acaba de conquistar praticamente toda a cidade estratégica de Chasiv Yar, na província de Donetsk, após mais de um ano de cerco. A pressão cresce agora sobre Kostiantinivka, localidade vizinha, enquanto Moscovo força a ofensiva para capturar Pokrovsk, ponto crucial para consolidar o controlo em Donetsk e aproximar-se da região de Dnipró.

Ucrânia responde com ataques em território russo
Face ao avanço russo, Kiev tem multiplicado os ataques de longo alcance com drones em território inimigo. No domingo, uma instalação de combustível foi parcialmente destruída em Sochi. Na madrugada de segunda-feira, foi atingida uma estação ferroviária na região russa de Volgogrado — o quinto ataque ucraniano em quatro semanas contra infraestruturas ferroviárias que abastecem o esforço de guerra russo.

A estratégia ucraniana passa por demonstrar ao Kremlin que o seu próprio território não está imune, numa tentativa de pressionar Moscovo a aceitar negociações.

Presença militar dos EUA e nova escalada
Numa demonstração de força, Donald Trump confirmou no domingo o envio de dois submarinos nucleares para águas próximas da Rússia. A movimentação é uma resposta directa a declarações ameaçadoras publicadas na rede social X por Dmitry Medvedev, ex-presidente russo e actual membro do Conselho de Segurança Nacional do país.

Entretanto, está prevista para os próximos dias a chegada a Moscovo de Steve Witkoff, enviado especial de Trump, para consultas com as autoridades russas. Simultaneamente, Keith Kellogg, representante norte-americano para a Ucrânia, deslocar-se-á a Kiev antes do fim do prazo estabelecido por Trump para a aplicação de sanções.

“O trabalho diplomático dos Estados Unidos é crucial para alcançar um acordo sobre a Ucrânia”, sublinhou Peskov, reconhecendo o papel de Washington na tentativa de viabilizar um entendimento direto entre Kiev e Moscovo.

Apesar da retórica mais conciliatória, analistas consideram que a posição russa poderá ser uma manobra tática para ganhar tempo e evitar as sanções anunciadas pelos EUA. A exigência de “trabalho preparatório” sugere que Moscovo procura condicionar qualquer encontro a avanços prévios que reforcem a sua posição.

A próxima semana poderá ser decisiva para o futuro da guerra. Se a diplomacia falhar e as sanções avançarem, o conflito poderá entrar numa nova fase de escalada — ou, pelo contrário, abrir-se uma janela ténue para um possível cessar-fogo.

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