Por Sofia Severino, CEO da MaxFinance Gold
O crédito está na ordem do dia, ou não fosse um assunto com tanto impacto na “carteira” dos portugueses. Euribor à parte, a taxa de esforço e o seu cálculo têm feito manchetes, mais recentemente com o Banco de Portugal a anunciar que vai reformular o cálculo da taxa de esforço ainda este ano.
Ora, importa perceber do que falamos e que impacto pode ter esta medida na vida dos portugueses. O cálculo da taxa de esforço consiste no apuramento do valor máximo que uma família ou indivíduo pode gastar mensalmente no pagamento de dívidas (empréstimos ou créditos) face aos seus rendimentos. A taxa de esforço é, no fundo, uma métrica utilizada para calcular a proporção do rendimento mensal de um indivíduo ou família que é gasto no pagamento de encargos financeiros. É, por isso, fundamental para determinar a capacidade de endividamento de cada um.
Alterar a fórmula de cálculo desta taxa pode ter implicações tanto positivas quanto negativas. Por um lado, uma mudança na fórmula pode tornar mais fácil o acesso ao crédito, o que pode impulsionar o setor imobiliário e promover o consumo. Por outro lado, uma fórmula mais permissiva pode aumentar o risco de endividamento excessivo e, consequentemente, o incumprimento.
Portanto, a decisão de alterar a fórmula de cálculo da taxa de esforço nesta altura dependerá da avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios envolvidos, considerando o contexto económico atual e as consequências a longo prazo.
O que se pretende é que os consumidores não excedam uma determinada percentagem dos seus rendimentos disponíveis com o pagamento de dívidas, de forma a evitar o sobreendividamento.
Atualmente e já desde 2018, os bancos são obrigados a fazer aquilo a que chamamos de “stress test” da taxa de juro. Ou seja, para a concessão de um empréstimo, o banco analisa, testa e avalia a capacidade de um mutuário lidar com um aumento das taxas de juros. Esse teste simula um acréscimo de 3% na taxa sobre os valores em vigor, à data da análise, para verificar se o mutuário será capaz de continuar a pagar o seu empréstimo, mesmo com esse aumento. O objetivo é garantir a estabilidade financeira do mutuário e evitar incumprimento em caso de flutuações nas taxas.
Assim, atendendo a que a medida foi criada em 2018, quando os juros de referência do Banco Central Europeu (BCE) estavam negativos, e que (neste momento) já atingimos ou estamos muito perto de atingir o pico de subida de taxas, faz todo o sentido que o nível de stress aplicável possa baixar dos atuais 3%.
Parece-nos positivo e aconselhável que o Banco de Portugal avance, até ao final do ano, com uma revisão da fórmula de cálculo da taxa de esforço para a concessão de crédito à habitação. Esta revisão pode, de facto, beneficiar as famílias que necessitam de crédito, tornando mais fácil a concessão de empréstimos.
Neste momento, um jovem sozinho, já com emprego estável e salário na ordem dos 1.000€, não consegue financiamento para comprar uma casa de um valor minimamente razoável.
A compra da primeira casa é cada vez mais tardia e a realidade tende a agravar-se. A raiz do problema é a falta de oferta mas, também e sobretudo, a dificuldade de acesso ao crédito habitação, que hoje se rege por critérios mais apertados e que, por isso, deixa de fora muitos jovens à procura de concretizar o sonho de ter casa.
Isto porque a fórmula de cálculo da taxa de esforço está “sobrecarregada” com os 3% e não permite que os montantes de financiamento sejam ajustados às necessidades das famílias.
Aliás, neste momento a opção por contrair empréstimos com taxa fixa disparou, precisamente porque neste regime não é exigido o “stress test” e, por vezes, é mais fácil enquadrar um processo em taxa fixa do que em taxa variável com o stress de 3%!
No entanto, existem preocupações legítimas de que essa medida possa ser contraproducente. Uma possível preocupação é que a revisão da taxa de esforço permita às famílias assumirem mais dívidas do que podem razoavelmente pagar. Isso pode levar a um aumento do incumprimento e pode afetar negativamente a estabilidade financeira e bem-estar das famílias no longo prazo.
Também é importante considerar os potenciais efeitos na economia como um todo. Se um grande número de famílias assumir dívidas excessivas e incumprir, isso pode ter um impacto negativo no sistema financeiro e na estabilidade económica do país.
Portanto, embora a revisão da taxa de esforço possa ter benefícios imediatos para as famílias que precisam de crédito, é importante garantir que medidas adequadas serão tomadas para evitar a contração excessiva de dívidas e as suas consequências potencialmente negativas a longo prazo.
Em suma, considero que faz sentido rever o cálculo da taxa de esforço com a prudência e o cuidado necessários para que esta revisão não tenha efeitos colaterais negativos, nem para os consumidores em particular, nem para a economia em geral. Não façamos disto um bicho-de-sete-cabeças, mas tenhamos em mente que são necessárias medidas para que não se torne um pau de dois bicos.




