Reforma Laboral: O fim da reintegração – as virgens e a realidade

Opinião de Nuno Cerejeira Namora, Especialista em Direito do Trabalho

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Setembro 9, 2025
13:41

Por Nuno Cerejeira Namora, Especialista em Direito do Trabalho

Este é um dos temas que maior oposição tem recebido dos partidos de esquerda e dos pretensos defensores da Constituição.

Os artigos de opinião têm sido falaciosos e de um alarmismo quase “histérico”. Vamos ver o diz a actual Lei, a proposta e a realidade.

A regra agora em vigor é clara: sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora é condenada na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa.

Mas ao mesmo tempo, o Código do Trabalho prevê uma excepção a essa regra da reintegração do trabalhador: quando estejamos perante microempresa ou (nas demais) o trabalhador ocupe cargo de administração ou de direcção, a entidade empregadora pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.

Nesta situação, caso o tribunal decida excluir a reintegração, o trabalhador terá direito a indemnização, fixada pelo tribunal, entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, não podendo tal indemnização ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades. Ou seja, a indemnização é de valor bastante superior.

Ora, o anteprojecto de lei da reforma da legislação laboral alarga o âmbito desta excepção, passando a permitir que qualquer entidade empregadora, independentemente da dimensão da empresa ou da função desempenhada pelo trabalhador, possa requerer ao tribunal a exclusão da reintegração.

Significa isto que, onde hoje a excepção à exclusão da reintegração é limitada e circunscrita, amanhã pode tornar-se numa possibilidade aberta a todas as empresas: a excepção passa a regra.

Mas, em termos práticos, trará a presente alteração mudanças significativas? A resposta a tal questão é negativa, por vários motivos.

Em primeiro lugar, o peso dominante das microempresas em Portugal é enorme. Dados estatísticos recentes demonstram que as PME em Portugal representam cerca de 99,9% do total de empresas, com as microempresas a corresponderem a cerca de 96%. Então, qual a indignação dos “velhos do Restelo”? A esmagadora maioria das empresas já estavam abrangidas pela velha lei. A Reforma só vem generalizar a solução já em vigor aos restantes 4% de empresas. A bem da igualdade.

Em segundo lugar, o anteprojecto de lei da reforma da legislação laboral não isenta a necessidade de fundamentação, por parte da entidade empregadora, dos factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa. Não se trata pois, de uma decisão discricionária e infundada.

Em boa verdade, a entidade empregadora continua obrigada a alegar e fazer prova dos factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador para o funcionamento da empresa, não bastando para concluir por essa verificação a constatação de um mal-estar nas relações pessoais entre trabalhador e empregador ou uma mera dificuldade em reverter a decisão ilicitamente tomada.

Em terceiro lugar, não se deve descurar a possibilidade de, mesmo numa empresa de maior dimensão, poderem surgir problemas de funcionamento e instabilidade com a reintegração de um trabalhador. As relações laborais podem deteriorar-se, e conflitos laborais graves podem afectar o ambiente interno de forma veemente, não sendo estes fenómenos exclusivos das microempresas.

Isto dito, em termos práticos, a alteração prevista no anteprojecto de lei da reforma da legislação laboral representa, verdadeiramente, um alargamento da possibilidade de a entidade empregadora requerer, junto do tribunal, a exclusão da reintegração de um trabalhador a 4% das empresas, sendo a norma actualmente em vigor já aplicável à esmagadora maioria do tecido empresarial português.

Sem prejuízo de tal alargamento, tal possibilidade ficará, como sempre esteve até ao momento presente, dependente da prova de critérios rigorosos, por parte da entidade empregadora, que serão, em última senda, avaliados e julgados, caso a caso, por um tribunal, através de decisão judicial motivada.

E, ainda que o tribunal decida no sentido de ver excluída a reintegração do trabalhador, este terá direito a uma indemnização bastante superior àquela a que teria direito caso optasse pela indemnização em detrimento da reintegração: uma indemnização, determinada pelo tribunal, entre 30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

Aqui chegados, e em boa verdade, terá a proposta de alteração do anteprojecto de lei da reforma da legislação laboral grandes implicâncias no âmbito da exclusão da reintegração? Cremos que não. Esta alteração não transforma a excepção em regra, nem enfraquece a protecção do trabalhador.

Pelo contrário: adapta-se à realidade do tecido empresarial português, composto quase integralmente por microempresas, e reconhece a injustiça na obrigação de reintegração por parte das grandes empresas, mesmo que a reintegração do trabalhador leve à deterioração do bom ambiente interno, produtividade e resultados da empresa.

O trabalhador, por sua vez, continuará a ver os seus direitos garantidos, na medida em que apenas o tribunal ajuizará da motivação invocada pela entidade empregadora e, decidindo em conformidade com o peticionado, também o trabalhador verá a sua posição acautelada, mediante o pagamento de uma indemnização superior àquela que teria direito caso não optasse pela reintegração.

Estamos, pois, perante “uma tempestade num copo de água”, numa discussão estéril, sobre um não tema.

 

 

 

 

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