Raspadinha faz 30 anos: Lucros e uso deste jogo disparam (mas vício patológico também)

Só em 2024, este jogo instantâneo rendeu 1848 milhões de euros, representando 58,8% das receitas totais da SCML. Apesar dos lucros astronómicos, os alertas sobre os riscos do uso patológico continuam a crescer, com especialistas a apontarem para um número preocupante de jogadores afetados — sobretudo entre as populações mais vulneráveis.

Revista de Imprensa
Julho 31, 2025
9:41

Trinta anos após o seu lançamento, a raspadinha tornou-se o jogo social mais lucrativo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), mas também um dos mais problemáticos. Só em 2024, este jogo instantâneo rendeu 1848 milhões de euros, representando 58,8% das receitas totais da SCML. Apesar dos lucros astronómicos, os alertas sobre os riscos do uso patológico continuam a crescer, com especialistas a apontarem para um número preocupante de jogadores afetados — sobretudo entre as populações mais vulneráveis.

Pedro Morgado, psiquiatra e investigador da Universidade do Minho, coordenou em conjunto com o economista Luís Aguiar-Conraria um estudo encomendado pelo Conselho Económico e Social (CES), cujos dados foram divulgados em setembro de 2023. O levantamento estima que existam em Portugal cerca de 100 mil pessoas com problemas de jogo associados à raspadinha, das quais perto de 30 mil já sofrerão de uma “doença instalada”. Em declarações ao Público, Morgado lamenta que, apesar dos dados alarmantes, pouco tenha mudado: “Continuamos com níveis elevados de consumo de raspadinhas em Portugal e esse consumo está desigualmente distribuído, afetando sobretudo os mais pobres”.

A SCML anunciou, entretanto, uma nova funcionalidade digital que permitirá ao utilizador definir o seu limite de gastos no cartão de jogador, mas Pedro Morgado considera a medida insuficiente. Sublinha que a maioria das ações promovidas não aborda diretamente a raspadinha, apesar do seu impacto social. “Quando se faz tudo da mesma forma não é expectável que as coisas mudem para melhor, o que continua a colocar demasiadas pessoas em risco”, alerta o especialista, notando também que, desde a mudança de direção da SCML, deixou de haver diálogo sobre o tema.

No campo do jogo responsável, a SCML lançou a campanha “Saber parar também é ganhar” e atualizou as suas máquinas para impedir o acesso de menores, mas nada disto se aplica especificamente à raspadinha. Ainda assim, disponibiliza uma linha de apoio (214193721), que em 2024 recebeu 405 contactos, dos quais 193 foram acompanhados psicologicamente. Destes, 13,5% estavam relacionados com a raspadinha — uma ligeira descida face aos 17% registados no ano anterior. A instituição sublinha que continua empenhada numa política de “melhoria contínua” na promoção do jogo responsável.

A introdução de novas formas de jogo com raspadinhas — nomeadamente versões digitais — é outro motivo de preocupação para os investigadores. Morgado alerta que o cruzamento entre raspadinhas e jogo online pode agravar os riscos: “Qualquer alteração que junte estas duas realidades tem o potencial de aumentar o número de situações de jogo problemático ou patológico, pelo que deve ser cuidadosamente ponderada”.

O estudo encomendado pelo CES inclui ainda duas fases adicionais. A segunda, centrada na caracterização dos jogadores, já está concluída. A terceira, que estuda alterações cerebrais associadas à adição às raspadinhas através de ressonâncias magnéticas, encontra-se em curso. Pedro Morgado sublinha, no entanto, que esta etapa está a ser realizada sem o apoio da atual direção da SCML, o que tem dificultado o seu progresso: “A nova direcção da SCML deixou de colaborar, o que nos colocou desafios e dificuldades que não antecipávamos”.

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