O sector dos grandes espaços comerciais em Portugal está a atravessar uma das suas mais profundas e dinâmicas transformações.
POR: Pedro Sousa, sales management director da Randstad Portugal
Longe vão os tempos em que a estabilidade profissional se definia por uma carreira linear e previsível, alicerçada na repetição de processos e na permanência a longo prazo numa única empresa. Hoje, num mundo em constante transformação, onde a agilidade e a capacidade de resposta são imperativas para o sucesso, a digitalização e o e-commerce vieram redefinir por completo o posicionamento do sector do retalho, exigindo uma reavaliação dos perfis profissionais, das competências críticas e das estratégias de gestão de talento. Esta nova realidade, desafiante e estimulante, convida-nos a reflectir sobre o conceito de estabilidade profissional, que agora se alinha mais com o propósito, a sustentabilidade, o imediatismo e os valores pessoais, do que com um emprego para a vida.
A EVOLUÇÃO DAS COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS
A digitalização e a ascensão do e-commerce não só alteraram a forma como compramos, mas também as competências necessárias no talento deste sector. Se no passado a prioridade era a eficiência operacional e a execução de tarefas repetitivas, agora o foco central é a criação de uma experiência de cliente memorável e personalizada. Os perfis profissionais mais procurados evoluíram significativamente, deixando de ser meros vendedores para se tornarem verdadeiros consultores e embaixadores da marca. Estes novos profissionais são capazes de combinar um profundo conhecimento do produto com uma forte orientação para o cliente, actuando de forma integrada tanto no ambiente físico da loja como nas interacções digitais. A capacidade de comunicação eficaz, a adaptabilidade a diferentes cenários e o pensamento crítico são, hoje, mais cruciais do que nunca.
Para os próximos três a cinco anos, as competências críticas para os profissionais que trabalham no retalho físico serão ainda mais valorizadas:
- Competências digitais: uma compreensão sólida das ferramentas de e-commerce, sistemas de CRM (Customer Relationship Management), gestão de redes sociais e, fundamentalmente, a capacidade de analisar dados para personalizar a experiência do cliente e optimizar as vendas.
- Inteligência emocional e social: a aptidão para construir relacionamentos genuínos com os clientes e colegas, gerir conflitos de forma construtiva, trabalhar eficazmente em equipa e adaptar-se a diferentes perfis de clientes. A empatia, a escuta activa e a capacidade de influência serão elementos diferenciadores essenciais.
- Resolução de problemas e pensamento analítico: a agilidade para identificar e solucionar desafios em tempo real, utilizando dados e informações concretas para tomar decisões informadas e optimizar processos, contribuindo para a eficiência e o sucesso da operação.
- Criatividade e inovação: a capacidade de propor novas abordagens, ideias e soluções, especialmente na criação de experiências de compra diferenciadoras e imersivas que captem e fidelizem os clientes.
- Adaptabilidade e aprendizagem contínua: num sector em constante e rápida mudança, a disposição para aprender novas competências (upskilling e reskilling) e adaptar-se a novos modelos de trabalho é absolutamente fundamental. Longe vão os tempos em que o investimento num colaborador se limitava ao pagamento do salário, a formação e o desenvolvimento contínuo são agora factores críticos de sucesso.
O IMPACTO NA GESTÃO DE TALENTO
Os grandes espaços comerciais estão a redefinir-se, transformando-se de meros pontos de venda em verdadeiros centros de experiência, lazer e comunidade. Esta adaptação implica um recrutamento mais focado em perfis multifacetados, com uma elevada orientação para o relacionamento interpessoal e a capacidade de oferecer um serviço personalizado e uma experiência memorável. O impacto na gestão de talento é, por isso, significativo e abrangente. As empresas precisam de investir massivamente em programas de formação para desenvolver as novas competências exigidas, criar percursos de carreira mais flexíveis e oferecer ambientes de trabalho que promovam o desenvolvimento contínuo dos seus colaboradores. A capacidade das organizações desenvolverem programas de upskilling e reskilling, dotando os seus colaboradores de novas competências e capacitando- os para assumirem novas funções, veio mudar a forma como a carreira profissional e a estabilidade são percepcionadas.
AUTOMAÇÃO: SUBSTITUIÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO DE EMPREGOS?
A automação, tanto no front-office (por exemplo, quiosques de self-service, caixas automáticas e sistemas de pagamento móvel) como no back-office (tais como gestão inteligente de stocks, oPtimização da cadeia de suprimentos e logística automatizada), está, de facto, a transformar as funções no seCtor, mas não necessariamente a substituir empregos em massa. O foco principal da automação é a maximização da eficiência e a oPtimização de processos, libertando os colaboradores para tarefas de maior valor acrescentado, como o aconselhamento personalizado ao cliente, a gestão da experiência de compra e a resolução de problemas complexos. Ou seja, a automação transforma fundamentalmente os empregos existentes, exigindo que os profissionais desenvolvam novas competências para operar e gerir estas tecnologias, em vez de os eliminar.
MAIORES DESAFIOS NA CONTRATAÇÃO E ATRACÇÃO
Os empregadores enfrentam vários desafios na contratação de talento para espaços comerciais, nomeadamente a percepção de que o sector oferece carreiras menos dinâmicas e que o trabalho por turnos e os horários flexíveis podem ser desmotivadores. A falta de atractividade para jovens profissionais, que possuem uma visão diferente do mundo do trabalho, é uma preocupação crescente. Para aumentar o apelo do sector e atrair as novas gerações, é crucial:
- Promover o propósito: os jovens valorizam cada vez mais um trabalho com propósito e impacto. As empresas devem comunicar claramente como contribuem para a comunidade, para a sustentabilidade e para causas relevantes, alinhando a missão da organização com os valores pessoais dos colaboradores. A existência de um propósito claro é, sem dúvida, um fator que contribui para a sensação de estabilidade profissional.
- Desenvolvimento de carreira: oferecer planos de carreira claros, oportunidades de progressão e de desenvolvimento contínuas de competências. A valorização pessoal e o autoconhecimento do seu valor no mercado são cada vez mais importantes para os profissionais, que procuram experiências em diversos ambientes para construir uma carreira robusta.
- Equilíbrio vida-trabalho: a possibilidade de conciliar a vida profissional e a pessoal e a percepção de que a entidade empregadora possui genuinamente esta preocupação, torna-se um elemento essencial na procura da estabilidade profissional. O contexto COVID-19 veio agravar esta dinâmica, que já era uma grande preocupação para as empresas e profissionais.
- Ambiente de trabalho inclusivo e inspirador: promover a inclusão, a comunicação aberta e o feedback constante. O acesso a lideranças que inspiram ao mesmo tempo que desafiam as equipas com objectivos claros, feedback permanente e contribuem activamente para o desenvolvimento dos colaboradores, é cada vez mais um factor essencial no garante da sensação de estabilidade por parte dos profissionais.
BEM-ESTAR, ESTABILIDADE E REMUNERAÇÃO
A crescente preocupação com o bem-estar e o equilíbrio vida- -trabalho tem levado as empresas de retalho a adotar novas práticas de gestão de pessoas. Soluções como a possibilidade de “work from anywhere” (quando aplicável a funções de retalho, como parte do back-office ou funções de suporte), dias adicionais de férias, seguros de saúde e programas de bem-estar, são cada vez mais valorizados pelos colaboradores e vistos como um pacote robusto de benefícios que traduz um investimento da empresa no colaborador e com isto uma sensação de estabilidade profissional.
Embora o trabalho por turnos e os contratos sazonais continuem a ser a norma neste sector, a estabilidade e a motivação podem ser garantidas através de:
- Transparência e planeamento: comunicação clara e antecipada sobre horários e necessidades sazonais, permitindo aos colaboradores gerir a sua vida pessoal de forma eficaz.
- Formação contínua: oferecer oportunidades de upskilling e reskilling, dotando os colaboradores de novas competências e preparando-os para assumir novas funções, o que contribui para a sensação de estabilidade profissional. O acesso à formação e a novas competências permite às organizações desafiar os colaboradores para assumirem novos papéis e responsabilidades, sendo este sentido de desafio constante essencial na criação da estabilidade profissional. Quando as empresas investem para manter os colaboradores actualizados, estes ficam mais valorizados para o mercado de trabalho e não só para aquela organização.
- Reconhecimento e feedback: valorizar o contributo dos colaboradores, oferecer feedback regular e construtivo, e promover um ambiente de trabalho positivo e colaborativo.
Relativamente aos salários e benefícios, a Randstad tem registado uma tendência de valorização nos últimos anos, impulsionada pela procura de talento qualificado e pela necessidade de atrair e reter os melhores profissionais. Os benefícios não monetários, como a formação e o desenvolvimento contínuo, a flexibilidade, o ambiente de trabalho e o propósito da organização, assumem um papel cada vez mais relevante na proposta de valor para o colaborador (EVP – Employee Value Proposition).
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, USO DE DADOS E O FUTURO DAS LOJAS FÍSICAS
A inteligência artificial (IA) e o uso estratégico de dados estão a revolucionar a gestão de equipas no retalho físico. Através da análise de dados de vendas, do fluxo de clientes, do comportamento de compra e do feedback dos colaboradores, as empresas podem optimizar o planeamento de equipas, prever necessidades de staff em diferentes horários e personalizar programas de formação e desenvolvimento. A IA permite uma gestão de talento mais eficiente e preditiva, libertando os gestores para se focarem no desenvolvimento, motivação e bem-estar das suas equipas.
O futuro das lojas físicas passará, inevitavelmente, por um equilíbrio dinâmico entre a experiência de compra e a eficiência operacional. As lojas físicas não vão desaparecer, pelo contrário, transformar-se-ão em espaços de experimentação de produtos, de socialização, de criação de comunidade e de fidelização do cliente, complementando de forma integrada o canal online. Este cenário terá um impacto positivo na empregabilidade, criando novas funções e exigindo perfis mais especializados e orientados para o serviço de excelência e a criação de experiências memoráveis. A parceria estratégica da Randstad com a APCC (Associação Portuguesa de Centros Comerciais) é crucial para antecipar estas tendências, identificar as necessidades futuras de talento e garantir que o sector tem acesso aos profissionais qualificados e motivados necessários para prosperar neste novo paradigma do retalho.
Em suma, o conceito de estabilidade profissional nos grandes espaços comerciais já não se prende com a garantia de um emprego para a vida, mas sim com a capacidade de o profissional se manter relevante e valorizado no mercado de trabalho, através da aquisição contínua de novas competências, da adaptação a ambientes dinâmicos e da procura de um propósito que se alinhe com os seus valores pessoais. Compete às organizações garantir que o employer brand é trabalhado por forma a conseguir que as suas marcas façam parte da ambição profissional dos novos talentos, e, mesmo não sendo para a vida, que estes possam encontrar a estabilidade profissional nas passagens que por lá possam vir a ter.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Grandes Espaços Comerciais”, publicado na edição de Agosto (n.º 233) da Executive Digest.












