Ursula von der Leyen prepara-se, esta quarta-feira, para o seu primeiro grande exame após o falhanço com as negociações com Donald Trump num acordo comercial. No seu primeiro discurso do estado da União a um Parlamento Europeu fragmentado, a presidente da Comissão Europeia vai ser acusada de enfraquecer a UE ao ‘vender-se’ aos EUA, abandonar os agricultores no acordo com a América do Sul, desfazer políticas climáticas e permanecer em silêncio sobre Gaza.
Conhecido na gíria em inglês como SOTEU, o discurso de uma hora marca o início da época de trabalho após as férias de agosto. O seu protagonista, presidente da Comissão Europeia, aproveita o momento para mostrar as realizações recentes, antever as iniciativas futuras e definir o tom político para os próximos 12 meses. Este ano, porém, o discurso não será nada vitorioso.
O discurso de Von der Leyen, salientou o jornal ‘POLITICO’, é menos um novo começo para o novo ano político ― e mais uma operação de salvamento. “Este foi um verão mau para a Europa”, referiu Bas Eickhout, co-presidente dos Verdes no Parlamento, um grupo político diferente de von der Leyen, mas que a elegeu. “O que claramente queremos como mensagem do presidente da Comissão é que as coisas precisam de mudar.”
Von der Leyen, após 10 meses do seu segundo mandato, está sob forte pressão tanto do Parlamento Europeu como dentro da estrutura mais ampla da UE: grupos políticas que durante décadas foram favoráveis aos presidentes da Comissão de centro-direita questionam agora as lealdades; forças de direitas exigem políticas mais duras na migração e meio-ambiente. Os líderes dos EUA e da Rússia perturbaram muito do que antes parecia certo sobre o lugar da Europa no mundo.
“Esperamos uma liderança clara do executivo”, disse Valérie Hayer, líder do grupo liberal Renew Europe, ao ‘POLITICO’. “A Europa não se pode dar ao luxo de estagnação ou paralisação institucional.” A aparente falta de liderança tem merecido críticas de todos os lados: à moção de censura em julho último, deverá juntar-se outra em outubro pelos grupos mais extremos, uma demonstração sem precedentes de oposição a um presidente da Comissão.
Von der Leyen lidou confortavelmente com as duas grandes crises do seu primeiro mandato: a pandemia (devido à sua formação científica) e a Ucrânia (devido à sua experiência em matéria de Defesa). “Mas caiu na armadilha de Trump e, sobretudo, nos tabus da Alemanha em relação a Israel: parece mais uma autoridade menor da CDU do que a voz da Europa em Gaza”, acrescentou fonte diplomática ao jornal espanhol ‘El País’. “O seu taticismo tem sido muito evidente, com uma mudança de prioridades baseada no apoio, e há muitas propostas míopes em vez de olhar para o futuro.”
Nos termos do acordo com os EUA, que Von der Leyen concluiu numa reunião presencial com Donald Trump na Escócia, a grande maioria dos produtos fabricados na UE com destino ao mercado dos EUA está sujeita a uma taxa de 15%, enquanto a grande maioria dos produtos fabricados nos EUA com destino ao mercado da UE está isenta de direitos. (Um grupo selecionado de produtos, como aviões, matérias-primas essenciais e equipamento de semicondutores, beneficia de um regime “zero por zero”).
Além disso, o bloco comprometeu-se a gastar 750 mil milhões de dólares em energia americana, a investir 600 mil milhões de dólares na economia americana e a comprar 40 mil milhões de dólares de chips de IA americanos até ao final do mandato de Trump. Os EUA não fizeram qualquer promessa semelhante.
Dada a competência exclusiva da Comissão para definir a política comercial, a culpa pelo acordo extremamente desequilibrado recaiu em grande parte sobre Ursula von der Leyen, prejudicando o que até agora tinha sido o seu maior trunfo: a sua reputação de hábil gestora de crises.
O mais preocupante para von der Leyen é que as críticas mais duras vieram das forças fortemente pró-europeias que apoiam a sua coligação, que consideram o acordo uma capitulação que subjuga o bloco aos desígnios americanos e torpedeia o objetivo da autonomia estratégica.














