“Precisamos de uma política fiscal mais justa”, diz Presidente da ANJE

Alexandre Meireles, presidente da ANJE, não tem dúvidas: a execução de ideias, em Portugal, ainda fica aquém. Por isso, a associação que lidera desde 2020 tem-se vindo a assumir cada vez mais como “hub de referência do ecossistema empreendedor” português.

Fundada em 1979, na altura ainda uma estrutura informal, a ANJE foi pioneira no apoio às empresas, embora num contexto diferente, quando ainda não se falava em empreendedorismo. Ao longo dos anos, a associação foi crescendo e aproximando-se cada vez mais dos empreendedores, apoiando e orientando-os desde a ideia ao plano de negócio, passando pela criação da empresa e a sua expansão internacional.
A Executive Digest esteve à conversa com Alexandre Meireles, presidente da ANJE, que garante que este «é um espaço onde os jovens empresários podem crescer e desenvolver as suas ideias de negócio.»

Qual o perfil dos jovens empresários de hoje? Estão preparados para os desafios desta nova realidade?
A ANJE é uma associação não sectorial, transversal, representamos empresários desde a área tecnológica, têxtil, restauração, comércio, entre outros. Apesar de não ser fácil traçar um perfil genérico, os jovens empresários são, efetivamente, a geração mais bem preparada de sempre, com muito acesso à informação, com muito conhecimento de base e, acima de tudo, muito capacitada para criar negócios e desenvolver novas ideias.

Os novos desafios e as novas tecnologias exigem um outro perfil de liderança? Como deve ser o líder de hoje e qual deve ser o seu foco?
Ainda temos muito que evoluir no que diz respeito à liderança. Estamos numa transição geracional, portanto, acho importante acelerar as condições para esta transição.
No que respeita concretamente à digitalização, esta nova geração está mais preparada que a anterior para fazer esta transição digital e para utilizar estas ferramentas para otimizar os negócios. Aqui, penso que ainda há um longo caminho a percorrer, é necessário acelerar a transição geracional, devemos deixar que os jovens, tanto na economia como em outros sectores da sociedade, tenham uma voz mais ativa nas decisões que estão a ser tomadas.
Não podemos dizer constantemente que temos a geração mais bem preparada de sempre, uma geração que é cobiçada além-fonteiras por grandes multinacionais, e em Portugal não lhes damos oportunidades de ter voz e tomar decisões.

Depois da pandemia, a guerra na Ucrânia e a inflação. Como está o sentimento dos jovens empresários?
Eu e os meus colegas de direção tomamos posse em Fevereiro de 2020, portanto, grande parte do nosso mandato até hoje foi a questionar sobre como vão ser as coisas, como iríamos reagir. Atravessamos várias fases ao longo deste mandato, sendo que a pandemia de Covid-19 foi um período muito complexo.
De sublinhar que, durante o período pandémico demos apoio às empresas com a criação de um gabinete de crise com parcerias criadas com advogados, economistas, contabilistas, para ajudar os empresários a candidatarem-se aos apoios.
Continua a haver uma grande apreensão relativamente ao próximo ano, sendo que a guerra na Ucrânia e a inflação são temas que preocupam bastante os empresários. Mas estamos com esperança e confiança de que Portugal está a dar passos seguros com alguns entendimentos na economia para que haja evolução no nosso país em termos económicos e de competitividade.
Estou confiante e curioso para perceber o caminho que Portugal está a fazer, porque acho que foram dados passos concretos e interessantes para o desenvolvimento do País. 

Qual o impacto que o cenário atual teve na atividade deste empresários?
No nosso ponto de vista, sentiu-se um impacto muito maior durante a pandemia do que se está a sentir durante a guerra. Falo na nossa experiência porque criamos um gabinete de crise e fomos inundados de pedidos de ajuda para candidaturas aos layoffs, linhas de crédito, em questões com garantias pessoais. Aí, o impacto foi maior, principalmente em alguns sectores como o Turismo e o Comércio, dos quais dependemos muito em Portugal.
Agora estão mais preocupados com a instabilidade, tentando prever quando é que esta inflação irá passar, e também preocupados com que tipo de apoio o Governo poderá dar. Nos nossos sectores, um dos principais problemas que as empresas enfrentam é também a falta de mão-de-obra para trabalhar, nomeadamente nos sectores do Turismo, Restauração, Aviação.
Para dar resposta a esta escassez de mão-de-obra, são necessárias políticas públicas de emigração para acolher pessoas que queiram vir trabalhar. Temos também uma crise demográfica que não vai ser resolvida num futuro próximo e, neste sentido, deviam ser criados mais projetos de estabelecimento de parcerias com outros países para trazer mão-de-obra para Portugal.

Os jovens empresários estão mais conscientes e motivados a apostar no interior de Portugal?
Estão com mais mente aberta, mas temos um grande caminho a percorrer. A ANJE tem um centro de incubação em Évora onde temos projetos muito interessantes, mas são necessários apoios das cidades e das regiões para que os empresários se fixem lá. Acho que os municípios do interior devem ter um papel mais ativo com medidas para atrair os jovens empresários.
A questão dos nómadas digitais e do surgimento de novas oportunidades para as pessoas se instalarem no interior pode ser uma verdadeira oportunidade. Sabemos que não há tantas oportunidades no interior na parte tradicional da Economia, mas é um novo caminho que estamos a percorrer. 

Qual a importância da formação para as organizações? É essencial para potenciarem os negócios?
Eu digo sempre isto: a educação e a formação é a base do desenvolvimento de um país, e qualquer investimento que seja feito em educação ou formação, sentiremos o seu efeito positivo, não imediato, mas num período mais alargado, quer na Economia, quer na nossa sociedade.
O sector da formação é dos mais importantes da ANJE, já temos há muitos anos uma equipa dedicada à formação, temos parcerias com universidades portuguesas, e ministramos uma série de cursos direcionados.
Na altura da pandemia acelerámos os nossos cursos de capacitação na área da transição digital, chegamos a mais de 1.000 empresas com os nossos aceleradores digitais, com a nossa capacitação digital, pelo que acredito que esta é a base de qualquer sucesso.
Denotamos que continuamos a ter uma sociedade, e nomeadamente os empresários, com um baixo nível de formação e capacitação, temos que evoluir neste sentido, temos que formar mais pessoas, a formação contínua é importante. Esta é realmente uma das bases para o sucesso das empresas.

Em que consistem os projetos de incubação e aceleração e de que forma são benéficos para as empresas?
A ANJE é pioneira na área da incubação em Portugal. A incubação tem diversas vantagens, entre elas a criação de uma rede de empresas e, nesse sentido, permitir que estas tenham acesso a uma rede de serviços partilhados, ao networking, a diversos eventos com empresários e investidores, entre outros.
A capacitação, com programas direcionados para a transformação digital e construção de business plan, são áreas que a ANJE tem desenvolvido ao longo dos anos.
Atualmente estamos com uma ocupação de quase 100% na incubação, é uma área que se está a desenvolver muito bem. Temos incubação exclusiva da ANJE em diversos locais, mas também em parceria com municípios em que a incubadora não é da ANJE mas fazemos a gestão da incubação.

Como classificam as propostas do executivo no OE2023 e o que devia ser feito mais para apoiar empresas e empresários?
Estamos satisfeitos com a apresentação do IRC diferenciado, foi a nossa bandeira e há muito que falamos das suas vantagens numa economia moderna. Atualmente já se faz bonificação do IRC no SIFID, que não é mais do que uma majoração do IRC para quem investir em Investigação & Desenvolvimento, e percebemos os bons resultados que isso teve em Portugal.
Achamos que este poderia ir mais além na questão da transição energética, vivemos numa fase em que precisamos que os empresários façam uma transformação interna, em diversas indústrias e empresas, por exemplo nas caldeiras de gás para biomassa. Isso seria um bom incentivo.
Mas independentemente do IRC diferenciado ser uma boa ferramenta, sentimos que poderia haver margem para a baixa transversal do IRC, que poderia ter sido importante para a economia.
De muito positivo, devo salientar, foi o acordo em sede de concertação social que impacta no Orçamento do Estado. Este passou uma mensagem ao País de que as entidades patronais e o Governo estão de acordo para os próximos quatro anos, isto é um caminho e uma nota muito positivos de esperança para o futuro.

Portugal é um país atrativo para novos empresários?
Na minha opinião sim, há condições para criar ainda mais empresas. Mas um dos principais problemas do nosso País é a burocracia e os custos indiretos que esmagam completamente o lucro das empresas. O tempo que demora a decidir um projeto, como por exemplo os que foram apresentados para o Portugal 2020, é outro problema.
Temos que resolver estas questões para que haja melhores condições para os empresários.
No seguimento do Orçamento do Estado, gostaria de ver uma implementação exatamente como é proposto. Em Portugal, na maioria das vezes pensamos bem as coisas, as ideias são boas e a estratégia é boa, no entanto a execução fica aquém, e isso tem sido efetivamente um problema.
Disse várias vezes que em Portugal precisamos de uma política fiscal mais justa, redução dos custos indiretos e empresários socialmente mais responsáveis.

Quais as perspetivas para 2023?
É difícil neste momento fazer essa análise. O Governo tem uma previsão realista/otimista no que respeita ao crescimento económico e inflação. Há muitas dúvidas relativamente à inflação e esse será um dos fatores que mais irá impactar o próximo ano.
Não será um ano fácil, mas vejo um indicador que é muito positivo que é o desemprego, que traz alguma serenidade à economia portuguesa.
Acredito que estamos melhor que na anterior crise de 2008, temos menos desemprego, uma dívida pública mais controlada, pelo que o Governo tem mais margem para apoiar a economia portuguesa. Isto são sinais positivos para responder a uma possível recessão que possa acontecer no próximo ano.  

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