Joana Mortágua, dirigente do Bloco de Esquerda, indicou que a passagem de aviões americanos na base das Lajes, nos Açores, “usados no genocídio do povo palestiniano”, “à revelia do ministro dos Negócios Estrangeiros”, pode “ser considerado um crime internacional e uma violação do direito português e internacional”, salientando que Portugal está em risco “de ser acusado de cumplicidade com o genocídio do povo palestiniano”.
O politólogo José Adelino Maltez, contactado pela ‘Executive Digest’, negou categoricamente a possibilidade. “É um ‘happening’, como de costume. Um ‘sound byte’. Aproveitou-se do que tem estado na berra nos últimos dois dias e continuou. É o papel que lhe está reservado pelo sistema político, mas não passa disso”, apontou o investigador de ciência política.
“Quanto à questão do Ministério dos Negócios Estrangeiros, é um plano de hipocrisia diplomática. O máximo de sanção é dizer a embaixada para informar mais cedo? É espuma, que se vai esvair”, precisou o especialista.
O Bloco de Esquerda assumiu a causa da Palestina e de Gaza. “Aproveitar a circunstância, uma vez que é um partido cada vez mais do ativismo da esquerda revolucionária. Veja-se a Mariana Mortágua, é melhor ‘atriz’ de manifestações e bailados desse género no país. Está de acordo com a natureza do próprio Bloco de Esquerda”, afirmou Adelino Maltez. “Qualquer acusação a Portugal seria ridícula.”
“Esta característica do Bloco de Esquerda não é de menosprezar, tem uma função que canaliza para o interior do sistema política vários temas, em vez de ficarem em extremos, sem canalização institucional. A posição bloquista integra num partido institucional aquilo que noutros sítios podia ser, como em França, fora do sistema e para a desordem”, salientou.
Recorde-se que esta sexta-feira o Bloco de Esquerda exigiu a demissão de Nuno Melo, ministro da Defesa. “ministro dos Negócios Estrangeiros não autorizaria a passagem de material militar dirigido a Israel porque há um embargo militar a Israel e porque sabia que a passagem de material militar dirigido a Israel dirigido ao genocídio dos palestinianos pode ser considerado um crime internacional e uma violação do direito português e internacional”, salientou Joana Mortágua.
A bloquista considerou que Portugal “não pode ter um ministro da Defesa cuja lealdade e obediência é ao Governo de Israel e não ao Governo português” e, por isso, Nuno Melo “não tem condições para continuar no Governo”.
Amnistia Internacional lembra casos antigos a envolver Portugal
Contactada pela ‘Executive Digest’, a Amnistia Internacional lembrou que “Israel está a cometer genocídio contra os palestinianos de Gaza”. A transferência de armas e equipamento militar para uma das partes envolvidas num conflito armado, em que existe risco de crimes de guerra e outras violações graves, salientou o organismo, já foi motivo de perguntas ao Governo, que nunca tiveram resposta.
“A Amnistia Internacional – Portugal acompanhou com muito preocupação os casos de navios suspeitos de estarem envolvidos no transporte de armas, equipamento militar ou peças, tecnologia ou outros componentes usados para o fabrico de armas, com bandeira portuguesa e/ou que utilizam portos nacionais para transferências para Israel/Palestina”, lembrou a Amnistia Internacional.
“O Direito Internacional Humanitário (DIH) proíbe todos os Estados de transferirem armas ou equipamento militar para uma das partes num conflito armado sempre que exista um risco claro de que tal contribua para a prática de crimes de guerra ou outras violações graves do DIH”, frisou, lembrando que “os Estados que continuam a transferir armas para Israel ou a facilitar essas transferências estão, por conseguinte, a violar as suas obrigações nos termos do artigo 1º comum das Convenções de Genebra e devem agir urgentemente para pôr termo a todas essas transferências”.
Por último, indicou a Amnistia Internacional, “o artigo 6º, nº 3, do Tratado sobre o Comércio de Armas proíbe as transferências — que incluem o trânsito — de armas se o Estado-membro tiver conhecimento, no momento da autorização, de que as armas serão utilizadas para cometer violações graves das Convenções de Genebra, entre outras violações”.
Três caças F-35 americanos fizeram escala na Base das Lajes
Recorde-se que três aeronaves americanas fizeram uma escala na base açoriana das Lajes com destino a Israel, sem comunicação prévia ao Governo português, uma “falha de procedimento”, anunciou o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), que quer apurar responsabilidades.
Em comunicado, o MNE realça que “a escala e sobrevoo de três aeronaves americanas para entrega a Israel”, ocorrida em 22 de abril, não significa que “tenha sido estritamente violado o compromisso assumido pelo Ministério ou pelo Governo nesta matéria”, referindo-se ao embargo à venda de armas e passagem pelo território nacional de material militar para Israel, determinado pelo executivo de Luís Montenegro.
A nota refere que esta operação teve “comunicação e autorização tácita (isto é, por decurso do prazo respetivo)” e a comunicação tinha já parecer favorável da AAN (Autoridade Aeronáutica Nacional), que depende do Ministério da Defesa Nacional, tutelado por Nuno Melo.
Governo defende inocência
O ministro da Presidência afirmou esta sexta-feira que houve falha administrativa dos serviços no caso dos aviões americanos F-35 e que impossibilitou alerta político para decisão de oposição.
Esta foi a tese central defendida por António Leitão Amaro na conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros, depois de interrogado sobre um caso que envolveu os ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros – e em que o ministério tutelado por Paulo Rangel já reconheceu falhas.
“O que ocorreu foi uma falha na avaliação dos serviços do caso concreto relativamente a comunicação feita pelos Estados Unidos de que tinham aviões seus a passar, a estacionar e a parar na base das Lajes”, sustentou o ministro da Presidência.
António Leitão Amaro, neste contexto, assinalou que se tratou de uma comunicação “ao abrigo de um mecanismo de comunicação prévia, com um prazo muito curto, e de uma apreciação ao nível administrativo por parte dos serviços, relativamente ao qual já foi registada uma falha”.
Uma falha que, de acordo com este membro do executivo, não permitiu que houvesse um alerta para um nível político.
“Efetivamente, houve uma falha que ocorreu a nível dos serviços – está reconhecido – e que não deu lugar a uma decisão de oposição. É nessa parte que está a falha do alerta para um nível político, para um eventual tratamento diferente, que não ocorreu, de uma situação que foi comunicada como uma passagem e uma utilização de equipamentos militares americanos”, acentuou.
A seguir, o membro do executivo procurou salientar a posição diplomática de Portugal a favor do fim do conflito que envolve Israel e pelo reconhecimento do Estado Palestiniano.
“O Governo português tem uma posição conhecida relativamente ao conflito do Médio Oriente, que tem tido desenvolvimentos muito relevantes num contexto internacional em que Portugal, com outros países seus aliados de grande proximidade – como o Reino Unido e a França -, numa data recente, fizeram o reconhecimento formal do Estado da Palestina, numa lógica de respeito ou de consideração da governação pela Autoridade Palestina”.
“Essa é uma decisão marcante que vem na linha de uma posição antiga da política externa portuguesa, mas, neste caso, é uma decisão histórica na medida em que a ideia mais antiga de dois Estados se materializa nesse reconhecimento formal”, completou.
António Leitão Amaro considerou ainda que o Governo português “tem tido também uma posição muito clara, com este primeiro-ministro e com este ministro de Negócios Estrangeiros, sobre a proibição e limitações à venda de armas”.
“Portugal tem participado neste esforço internacional pela paz e de contribuição, para encontrar uma solução”, acrescentou.














