Por Camila Rodrigues, fundadora da Comunidade Mulheres à Obra e Investigadora do IPRI Nova
Foi apresentado este mês no Parlamento Europeu o estudo “State of Motherhood 2024”, promovido pela organização internacional Make Mothers Matter, e os resultados devem fazer soar um alarme coletivo: Portugal lidera o ranking das mães mais sobrecarregadas entre os 12 países europeus analisados.
O dado mais preocupante é este: 81% das mães portuguesas inquiridas relatam sentir-se sobrecarregadas, um valor extremamente elevado e muito acima da média dos restantes países do estudo, que se fica pelos 67%. Nenhum outro país apresentou um nível tão alto de sobrecarga materna.
Este número, por si só, deveria mobilizar a nossa atenção e ação. Significa que estamos a construir o edifício da nossa sociedade sobre bases profundamente frágeis. As mães portuguesas são aquelas que mais acumulam responsabilidades, sem o devido reconhecimento, apoio ou redistribuição dessas tarefas. 73% das mães em Portugal assumem sozinhas as tarefas domésticas e de cuidados, independentemente de estarem empregadas ou não.
Simultaneamente, 47% das mães afirmam sofrer de problemas de saúde mental, com destaque para a ansiedade, e 45% sentem que o seu papel não é socialmente reconhecido. O impacto desta sobrecarga vai muito além do sofrimento individual: afeta a qualidade de vida das famílias, compromete o desenvolvimento das crianças e fragiliza a coesão social.
As mães são simultaneamente pilar afetivo, suporte logístico, cuidadoras principais, gestoras domésticas e profissionais ativas que contribuem de forma significativa para o rendimento familiar. Quando lhes pedimos para exercer todas estas funções em simultâneo e sem rede de apoio adequada, estamos a condenar a qualidade dessas funções e, consequentemente, o próprio tecido social.
A sobrecarga materna traduz-se em consequências visíveis: mais crianças entregues aos ecrãs por falta de tempo e energia parental, maior consumo de fast food, rotinas desorganizadas, ausência de acompanhamento escolar e aumento de comportamentos de risco.
Não podemos continuar a fingir que a parentalidade é uma questão privada e feminina. A igualdade de género no trabalho de cuidado e na gestão doméstica não é uma opção, é uma urgência social. Precisamos de políticas públicas robustas que apoiem a parentalidade, mas também de uma mudança cultural profunda que responsabilize todos, independentemente do género.
A responsabilidade pelo cuidado não pode continuar a ser um fardo individual, silencioso e invisível suportado pelas mulheres. É um trabalho essencial para o bem-estar coletivo e deve ser reconhecido, valorizado e partilhado.
O futuro da nossa sociedade depende da forma como cuidamos de quem cuida. E, neste momento, as mães portuguesas estão a gritar por ajuda, mesmo quando não têm tempo ou força para o fazer em voz alta.




