Os amantes de cerveja certamente já se deram conta da profunda transformação pela qual o setor cervejeiro atravessou nos últimos anos, em particular no que tem sido chamado de “revolução da cerveja artesanal”, ou seja, a proliferação de microcervejarias artesanais.
Esta “revolução” levou à diversificação dos estilos de cerveja, produzidos tanto por estas novas microcervejarias como por grupos multinacionais inspirados nas mesmas, para deleite dos palavras que procuram novos sabores. No entanto, explicou Gaël Bohnert, doutoranda em Geografia e Engenheira em Sistemas Agrícolas e Agroalimentares Sustentáveis no Sul na Universidade de Haute-Alsace, em França, num artigo no site ‘The Conversation’, há um fator que pode travar esta evolução: as alterações climáticas.
De acordo com um estudo conduzido em 2020 na Alsácia (França), há várias consequências que as alterações climáticas podem ter no setor cervejeiro. Em função do nível do setor em causa, há três tipos de efeitos: impactos agrícolas no fornecimento de matérias-primas, impactos industriais dedicados aos processos de fabrico de cerveja e impactos indiretos resultantes das alterações das expectativas dos consumidores.
Malte e lúpulo sob ameaça
De acordo com a autora, os efeitos mais fortes das alterações climáticas devem ser temidos a montante da indústria, ou seja, tanto a quantidade como a qualidade do fornecimento de malte (produzido principalmente a partir da cevada) e de lúpulo, as principais matérias-primas que compõem a cerveja, depois da água.
As secas são particularmente preocupantes. A produtividade pode ser significativamente reduzida pela queda das chuvas de verão, que é exatamente o que as projeções climáticas para a região preveem.
Do ponto de vista qualitativo, o foco da preocupação é o lúpulo. Embora seja muito utilizado para conferir amargor à cerveja, as altas temperaturas, que se preveem cada vez mais comuns, levam a uma descida da concentração de ácidos alfa, as moléculas responsáveis por este sabor.
Para se protegerem contra a escassez de oferta, seja em quantidade ou qualidade, algumas cervejeiras estão a considerar — ou até a testar — várias medidas. Uma resposta inicial é mudar de fornecedor para obter matéria-prima de regiões menos afetadas, como o Reino Unido. Esta estratégia não será suficiente a longo prazo se as cervejeiras de todo o mundo recorrerem ao vizinho britânico em busca de fornecimentos.
A outra possibilidade que está a ser considerada é a de otimizar os processos de produção, ou mesmo modificar as receitas, de forma a limitar a quantidade de matéria-prima necessária. Isto resultaria em cervejas menos fortes — menos açúcar do malte para fermentação significa menos álcool produzido — ou menos ‘lupuladas’. Um cervejeiro está mesmo a experimentar cervejas sem lúpulo, substituindo-as por mil-folhas ou hera-da-terra para aromatização.
Impactos industriais
Embora as consequências das alterações climáticas na produção de cerveja em si pareçam menos pronunciadas do que no setor agrícola, não são negligenciáveis.
A água, o principal ingrediente da cerveja, representando entre 90 e 95% da massa dos ingredientes, é o principal problema nesta área. Uma cervejaria eficiente consome entre 4 e 7 litros de água para produzir um litro de cerveja: face à intensificação das secas, muitos cervejeiros temem ser obrigados a interromper ou reduzir as suas atividades durante o verão. São então tomadas medidas de poupança, sendo a mais comum a recuperação da água de refrigeração.
Outra dificuldade pode surgir devido às altas temperaturas: os tanques de fermentação devem ser mantidos a uma temperatura relativamente constante e fria (4-13°C para fermentação de fundo e 16-24°C para fermentação de topo).
Neste ponto, a popularidade das cervejas de alta fermentação no mundo da fabricação de cerveja artesanal (cervejas muitas vezes mais fortes em álcool e sabor, a IPA por exemplo) poderá tornar estas últimas menos vulneráveis às altas temperaturas do que as grandes cervejeiras mais industrializadas, que basearam o seu crescimento no desenvolvimento de cervejas de baixa fermentação, que requerem mais energia a altas temperaturas: é o caso das lagers, cervejas geralmente menos fortes e essencialmente orientadas para refrescar.
Temperaturas excessivamente elevadas podem impossibilitar o arrefecimento adequado. Neste caso, pode optar-se por interromper a produção durante os meses mais quentes, mas são propostas medidas estruturais principalmente para reduzir a necessidade de arrefecimento e, portanto, o consumo de energia (especialmente o isolamento).
Consumidores mais exigentes
Por último, para além destes impactos diretos, as alterações climáticas têm outros efeitos indiretos no setor cervejeiro. O desafio é adaptar-se às mudanças que estas interrupções trazem ao consumo.
Embora a cerveja seja geralmente considerada uma bebida refrescante, o álcool que contém é menos procurado durante as ondas de calor e os bares estão menos cheios. Este comportamento também é consistente com as recomendações do público. De acordo com alguns cervejeiros, o desenvolvimento de cervejas sem álcool visa, portanto, adaptar-se explicitamente a esta mudança na procura durante o tempo quente.
Acima de tudo, a cobertura mediática das alterações climáticas fez surgir novas expectativas de sustentabilidade, oportunidades de expansão para novos mercados (cadeias de abastecimento curtas, agricultura biológica, depósitos para reutilização de garrafas) e de se destacar dos concorrentes comunicando as suas ações em prol do ambiente.














