Valorização energética dos resíduos da indústria do azeite

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Sendo que a altura entre final de outubro e meados de novembro marca o momento por excelência, para muitos produtores, para a colheita da azeitona, está na altura de falarmos um pouco da valorização energética dos resíduos da indústria relacionada.

Em Portugal a produção de azeite tem um lugar de destaque no setor agroindustrial/alimentar, sendo o nosso país um dos dez maiores produtores de azeite a nível mundial e com previsão de produções e exportações crescentes no futuro próximo, acompanhando o que se passa a nível global e o aumento da procura deste óleo alimentar. Os valores da produção vão variando de campanha para campanha, mas atingem já os milhões de hectolitros.

Nos lagares de azeite são gerados, em grandes quantidades, diversos resíduos, como sejam as folhas, os caroços, o bagaço e as águas residuais. Só em termos de bagaço, a nível nacional, temos de lidar anualmente com várias centenas de milhares de toneladas.

Sendo que os resíduos sólidos dos lagares apresentam poderes caloríficos muito elevados estes podem ter um aproveitamento como biocombustível, nomeadamente sólido. De entre estes resíduos sólidos vamos centrar-nos, com particular relevo, no caroço da azeitona e na sua combustão, embora possam também ser referidos os péletes do “bolo” (bagaço) de azeitona para esse fim.

Este caroço tem uma composição lenhocelulósica, um baixo teor de cinzas e um muito baixo teor de enxofre, o que lhe confere boas características e um enorme potencial para ser usado como biocombustível sólido, nomeadamente em caldeiras. Existem mesmo sistemas de certificação e produtores já interessados nesta certificação a nível nacional.

O caroço da azeitona, que deriva da separação entre a polpa e a massa da azeitona após a compressão para extração do azeite é um subproduto que normalmente é submetido a um processo de secagem e limpeza, de forma a obter-se uma granulometria e humidade ideais para uma perfeita combustão. Resulta assim numa biomassa de alto rendimento, com uma combustão de grande potência calórica, libertando emissões de CO2 consideradas neutras, sendo ainda um produto económico.

As suas características permitem a sua utilização em caldeiras industriais, como por exemplo as utilizadas nas indústrias cerâmicas, em padarias, estufas, hortos, aviários, piscinas, e mesmo para uso doméstico. Além disso, a sua composição contribui também para uma baixa incrustação de resíduos nas caldeiras, o que resultará numa baixa manutenção das mesmas.

Por tudo isto haverá aqui uma oportunidade de negócio que contribuirá para a utilização de um combustível renovável, tão necessário à descarbonização da economia e à transição energética em curso. Para isso, no entanto, será ainda necessário proceder à desclassificação do caroço de azeitona como resíduo, o que competirá à Agência Portuguesa do Ambiente. Trata-se de um processo burocrático que urge concretizar.

Em termos da certificação de tal biocombustível, existe já a marca BIOmasud®. O Sistema de Certificação para Biocombustíveis Sólidos do Mediterrâneo – BIOmasud® pretende ser um sinónimo de reconhecimento de qualidade e sustentabilidade de biocombustíveis sólidos típicos da região do mediterrâneo, que possam ser utilizados em equipamentos de combustão domésticos (caldeiras, recuperadores de calor e salamandras), tais como os caroços de azeitona, as cascas de frutos de casca rija, material resultante de podas (oliveira e vinha) e péletes ou estilha de madeira.

O selo BIOmasud (biomasud.eu) facilita o acesso a toda a informação básica para quem está interessado em certificar os seus biocombustíveis sólidos, bem como em divulgar quem produz e distribui biomassas mediterrâneas certificadas. Os direitos da marca BIOmasud® em Portugal são propriedade do Centro da Biomassa para a Energia.

Embora ainda há dois anos se referisse num forum de consumidores de biomassa para caldeiras que em Portugal havia lagares que vendiam caroço de azeitona mas apenas do outono/inverno e com restrições e apenas com recolha in loco, atualmente existe já, pelo menos, um produtor nacional que vende este produto em sacos, big bags ou a granel.

Concluindo, o caroço de azeitona, se for valorizado, pode ser um biocombustível de alta qualidade, ao nível dos péletes de madeira. Existem dados que referem, no entanto, que apenas cerca de um terço é valorizado, sendo o resto vendido à medida que sai do moinho e em grande proporção a clientes industriais. A tendência é a de que este subproduto seja cada vez mais valorizado devido à legislação cada vez mais restritiva. Estes combustíveis têm mercado e é referido que todas as quantidades produzidas são aproveitadas, mas há espaço para crescimento no mercado de caroço de azeitona, nomeadamente de forma valorizada que pode ser comercializada a preços mais elevados. Acresce ainda que existe uma indústria nacional produtora de caldeiras, que poderá projetar e dimensionar caldeiras especificamente adequadas para este tipo de biomassa. Assim todo o valor acrescentado será otimizado a nível nacional.

 

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