Quando se é desbocado atrás do balcão

Por Carlos Lourenço, Professor do ISEG

Ouvi do meu pai várias vezes o conselho, em jeito de aviso, para se deixar “lá fora”, da cervejaria da família num subúrbio de Lisboa, as conversas — na verdade, a nossa opinião — sobre futebol, religião e política, sendo que esta, em rigor, inclui (quase) tudo.

Este apelo, o cultivar de uma cultura de quase auto-censura, no mínimo, de auto-controlo, era motivada por um risco de curto-prazo cuja probabilidade, não tão baixa, podia facilmente materializar-se. Porque a discussão de um tópico pode sempre ser dada a paixões, as quais, como se sabe, têm o poder de cegar, podia entrar-se numa discussão mais acesa (e cega). O que podia facilmente degenerar numa cena de pugilato amador, sobretudo se se desconhecesse o grau de radicalismo fanático e/ou de intoxicação alcoólica do nosso interlocutor.

Mas a aconselhada, e aconselhável, seletividade — que é também, de certo modo, uma forma de temperança — nos tópicos trazidos para a esfera pública (os cafés são como que paços do concelho informais), encerrava uma sabedoria de estratégica de gestão e de psicologia social de maior alcance. Agradando a gregos e a troianos, maximizava-se assim a clientela, não lhe dando motivos, além dos motivos estritamente ligados com o produto ou o serviço prestado (uma bica mal tirada, uma imperial sem espuma, uma cara carrancuda), para não voltar e ainda por cima poder espalhar a má-língua.

Será em grande parte por estas razões que não é frequente assistirmos a líderes de empresas a veicularem as suas opiniões político-partidárias pessoais. Não que o mundo dos negócios esteja separado da política; nada por definição o está. Criando inerentes conflitos de interesses, as portas tanto giram no sentido da política para as empresas como, embora talvez menos, em sentido contrário. Ou pensemos nos lóbis, sobre os quais impende um preconceito quase automático. Eles, são, no entanto, muitas vezes regulados, e podem até ter (muita) razão de ser (para incentivar a descarbonização, por exemplo).

Mais, as empresas podem estar, desde logo, a operar em mercados que encerrem questões políticas sensíveis (pensemos nas vendas de tabaco ou de bebidas alcoólicas em Portugal, proibidas que estão a menores). Ou podem simplesmente, num esforço de diferenciação das suas marcas (e para que os consumidores paguem por ela), ter estratégias que acompanham e beneficiam de fenómenos políticos mais ou menos momentâneos, como podem ser entendidas em certa medida as estratégias ditas “de responsabilidade social”.

É por tudo isto que a presença de Elon Musk, o homem mais rico do mundo cuja riqueza se estima em cerca de 1.3 vezes a riqueza produzida em Portugal, no governo federal norte-americano (porquanto lidera — por nomeação direta, não por eleição — o recém-criado “departamento de eficiência governativa”), e o seu comportamento e as opiniões político-partidárias que expressa sem pudor, causam tanta perplexidade. Mesmo, acredito, para um norte-americano (afinal, foi eleito pela segunda vez para Presidente e, por inerência, para comandante supremo das forças armadas mais poderosas do mundo, não um actor, mas uma ex-celebridade de um reality show para voyeurs do mundo dos negócios).

Mas a perplexidade advém de algo que é talvez menos óbvio. Dada a polarização política atual, particularmente visível precisamente nos Estados Unidos (lembremo-nos do assalto ao Capitólio em 2021 por parte de apoiantes do movimento MAGA — Make America Great Again), seria de esperar que as empresas de Elon Musk sofressem danos consideráveis, desde quebras de vendas, por exemplo, de veículos elétricos Tesla, ou saídas da sua rede social X, pelo menos entre eleitores cujas preferências políticas — e valores éticos e até morais — estão no polo oposto ao do empresário. A literatura científica e a nossa intuição assim o prevêem.1

Com efeito, segundo a Euronews, em janeiro, as vendas da Tesla na Alemanha (onde está a sua única fábrica europeia) caíram quase 60%, em comparação com o período homólogo, ao mesmo tempo que as vendas de veículos elétricos em geral aumentaram praticamente na mesma proporção, reduzindo assim a quota de mercado da empresa de 14% para 4%.

O meu pai sempre tinha alguma razão.

1 Ver, por exemplo, Fournier, S. and Alvarez, C. (2013), “Relating badly to brands”, Journal of Consumer Psychology, Vol. 23 No. 2, pp. 253-264 e Grégoire, Y., Tripp, T.M. and Legoux, R. (2009), “When customer love turns into lasting hate: the effects of relationship strength and time on customer revenge and avoidance”, Journal of Marketing, Vol. 73 No. 6, pp. 18-32.