Proteger a atenção na era digital: Dilema ou super-poder?
Por Ana Pedro, Fundadora da Polka Dots
Todas as manhãs muitos de nós despertam com uma cascata de notificações geradas pelas mais variadas plataformas. Outros tantos folheiam feeds infinitos de notícias enquanto tomam o pequeno-almoço. No caminho para o trabalho, somos impactados por anúncios direcionados e a maior parte dos que nos rodeiam prossegue de olhos colados a ecrãs móveis. A sintonia com a era digital (caracterizada por uma sobrecarga de informação, fugacidade de tendências e ruído constante) degenerou numa competição permanente pela nossa atenção, um bem que se tornou escasso e precioso.
É um paradoxo: a tecnologia que nos prometeu eficiência e conexão tornou-se a maior ameaça ao foco e à concentração de que precisamos para sentirmos produtividade e bem-estar. Dados de investigação indicam que o tempo médio de atenção dos indivíduos que observam ecrãs caiu de 2,5 minutos em 2004, para 47 segundos em 2021, sendo que a frequência de mudança de foco figura entre as principais razões para o declínio. A dispersão frequente compromete a criatividade, enquanto que a capacidade de nos mantermos concentrados em tarefas específicas permite tomadas de decisão mais acertadas.
Proteger o foco requer intencionalidade, disciplina e consciência sobre as forças que o disputam. A influência da “monetização da atenção”, incentivada por marcas, redes sociais e plataformas de entretenimento, a par da sofisticação crescente dos algoritmos, torna as nuances do nosso comportamento mais complexas, mas certo é que quanto mais tempo percorremos determinado conteúdo, mais receitas obtêm as plataformas que o disponibilizam. Não existe, aliás, qualquer incentivo para a mudança deste modelo – persistimos, assim, “seguidos” por conteúdo altamente personalizado e regredimos para índices de atenção em mínimos históricos.
Em Espanha, passa-se em média 5,45 horas por dia online, com valores semelhantes em toda a Europa – a média do Reino Unido é de 5,75 horas, enquanto Portugal lidera a classificação europeia com cerca de 7,5 horas por dia. Estamos, rapidamente, a habituar-nos ao que se designa por atenção “ascendente” (em que o interesse é desencadeado por estímulos externos, que não controlamos), em vez de dirigirmos voluntariamente a nossa atenção “descendente”. É cada vez mais notório que filmes, vídeos e programas televisivos vejam a sua duração reduzida ou quebrada por pausas, sendo que as restrições impostas aos formatos dos conteúdos contribuem, em larga medida, para o problema: mais impaciência, menos atenção.
Tomar consciência dos “comportamentos automáticos” e desenvolver a “meta-consciência” (reconhecer o que se está a fazer à medida que se desenrola), não anula os efeitos da presença de tecnologia. Fazer pausas regulares e evitar o esgotamento ou a fadiga mental permite evitar momentos em que estamos mais susceptíveis à distração e à perda de controlo. Reconhecer os “picos e vales de atenção” para organizar eficazmente as tarefas do dia permite reabastecer a mente. Meditar, passear e ler algo inspirador também contribui para alimentar o depósito de recursos atencionais “agredido” pela mudança constante de foco.
Na era em que vivemos, proteger as tão necessárias bolsas de concentração tornou-se um super-poder acessível apenas a quem decide exercitá-lo. A capacidade de controlarmos e decidirmos onde efetivamente vale a pena investir tempo e atenção dirigida tornou-se um recurso estratégico, um diferencial competitivo e uma liberdade rara.