Profissionais liberais: Licenciamento urbanístico, o ponto de encontro, a convergência da divergência
Por Andreia Oliveira, Presidente do Conselho Diretivo Regional Norte da Ordem dos Arquitetos
É comumente acolhido que a atividade liberal (AL) é motor de desenvolvimento da economia, sendo crucial refletir sobre a sua condição e efeito na comunidade.
Dir-se-á que AL é uma atividade livre, autónoma e intelectual, implicando três premissas estruturais: relação, remuneração e regulação.
Relação, no pressuposto de uma encomenda e um cliente, uma entrega e um resultado (ou seja, confiança e satisfação); remuneração, significando retorno financeiro e cobrança fiscal (ou seja, honorários e impostos); regulação, ao nível do comportamento e atitude perante quem encomenda e quem controla (ou seja, ética e deontologia).
No campo da arquitetura, o “licenciamento urbanístico” é, talvez, o tema cimeiro daquelas premissas: obriga a uma relação constante do profissional liberal com a entidade pública, gerando, muitas vezes, confronto entre “pares” com repercussão na remuneração, na estabilidade da relação com outras partes (cliente) e na fiabilidade da regulação; implica uma dependência de terceiros e de fatores temporais e discricionários que podem colocar em causa valores deontológicos, que interferem com condições de remuneração e confronta o profissional liberal com um quadro regulamentar tantas vezes incompreensível!
Dir-se-á que o “licenciamento urbanístico” poderá ser considerado o espelho deste exercício liberal (e porque não público), bem como condutor e indutor dos pressupostos inerentes a uma AL que, no campo da arquitetura, reconhecidamente, é uma resposta social necessária e exigente.
Estabilidade e previsibilidade (saber com que contar, ter um quadro de atuação e interpretação minimamente previsível e independente do território e dos técnicos individualmente) na estruturação do exercício (condições laborais, remuneratórias, concorrenciais) e na concertação (não se trata de um ser autor e outro fiscalizar, um ser submisso ao interesse particular e outro ser seduzido pela função de controlo, mas, sobretudo, trata-se da convergência e trabalho em conjunto para o mesmo fim) seriam fatores elementares. No fundo, todos (sem exceção) têm de convergir, de saltar para um espaço de entendimento e concertação comuns.
A realidade de hoje, emaranhada numa legislação errática, desregula as condições da prática, tensionando o diálogo entre as partes, desespera na expectativa, destruindo o que de mais proveitoso esta convergência significa: Um, cuidando do domínio público, velando pelo interesse de tudo sem descartar o interesse legítimo de cada um. Outro valorizando e qualificando a vontade individual, não deixando de aceitar e se condicionar ao bem maior que é a paisagem, a expressão máxima da nossa cultura.
É convicção de que é aqui que tudo se exercita e se atenderá à AL, tributando-a na sua centralidade: conferindo contexto e pretexto para a prática; sequência e consequência para o bom desenvolvimento dessa prática; proporção e transparência na gestão do produto, afirmando e reafirmando que, no caso da arquitetura, o seu resultado é expressão de uma resposta coletiva feita e condicionada por múltiplos atores, beneficiários uns dos outros. O profissional liberal é um dos que mais poderá beneficiar de todos os outros, é um dos que mais poderá contribuir para todos os outros, na certeza de que, no final, todos ganharão. Sem exceção!