Portugal e os desafios do futuro
Opinião de Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati
Portugal e a maioria dos países do mundo vivem numa economia aberta. Os nossos desafios têm origem interna mas essencialmente externa (repleta de choques, restrições mas também oportunidades que vêm do exterior). Vivemos um período de mudança, com um mundo que deixou de ser global e passou a estar “fatiado” em blocos. Temos vários desafios que podem ser oportunidades ou ameaças. Esta reflexão foi amplamente discutida no congresso da FAE que recentemente aconteceu.
O primeiro é o desafio do crescimento económico e da competitividade, tão bem descrito no chamado relatório “Draghi”. Está Portugal condenado a uma estagnação do crescimento económico e a baixos índices de produtividade? Portugal já vive uma letargia económica desde a entrada no euro, não é uma portanto uma novidade. Mas não está. Mesmo com os índices a serem “empurrados” pelo aumento artificial do salário mínimo mas a “esmagar o salário médio. O problema é de dimensão. Não temos grandes empresas na Europa e muito menos em Portugal. Existe uma excessiva concentração em pequenas empresas europeias que não conseguem competir com a dimensão e escala, nem com a inovação das empresas americanas e asiáticas.
Outra questão prende-se com a emergência da IA, que apresenta uma enorme dependência energética numa Europa que tem uma evidente falta de autonomia energética.
A Europa e Portugal apresentam uma falta de liderança tecnológica fundamental para o “tech4people” e “tech4business” de forma integrada. Não apenas para aumentar eficiência mas para promover o bem estar humano, a sustentabilidade e a prosperidade inclusiva global.
Portugal em si não está numa desvantagem comparativa no comércio internacional ou perspectiva económica futura. Em termos energéticos, Portugal não está tão gravemente afectado como as outras economias europeias, devido ao forte investimento que tivemos nas energias renováveis. Os setores tradicionais da nossa economia e no turismo, temos uma vantagem comparativa positiva versus os outros mercados concorrentes. É evidente que precisamos de mais e melhor infraestruturas para passar de um país de turismo de massas para um turismo de qualidade (como por exemplo a Suíça). Apesar da falta de liderança tecnológica, que o pós taylorismo condicionou a uma nova forma de organização do trabalho, com a descentralização do mesmo, isso pode ser positivo para Portugal. A emergência dos nómadas digitais e algum risco de “encapsulamento” (com as pessoas a passar mais tempo dentro de casa) será uma evidência. Este fator irá diminuir o valor da distância da nossa localização periférica da Europa e do mundo. Basta que exista um enorme investimento de educação para superar o desafio crítico dos gestores de aprender a gerir pessoas à distância. Algo que os EUA (com sucessos e fracassos) ainda não dominam.
O segundo é o desafio da habitação.
Portugal tem algumas vantagens para atrair trabalhadores qualificados. Os exemplos de sucesso da Florida e do Texas, que são dos estados que mais crescem com atração de empresas de tecnologia de ponta, têm como factor diferenciador a elasticidade da construção. Portugal não tem esta elasticidade por falta de mão de obra (desapareceu durante a crise financeira da década passada que provocou inúmeras falências nas empresas de construção civil). Também não tem por falta de acesso ao crédito e a políticas de licenciamento impensáveis e inaceitáveis.
O mercado de habitação tem de ter uma intervenção estatal pois não existem mercados completamente livres de habitação (como de emigração diga-se). Portugal pode ser um exemplo através da parceria com os municípios e delegar competências nestas organizações, agilizando o processo de concursos e compras públicas e desburocratizando o licenciamento. Temos de regular pois é necessário gerir os fluxos de pressão e de mudanças. Pois a auto-regulação não garante totalmente o equilíbrio do mercado. Desequilíbrio negativo esse evidente, por exemplo, na zona da comporta, que provocou o desalojamento dos portugueses deste território.
O terceiro é o desafio orçamental e de estabilidade financeira. Os EUA e a França vão ter governos despesistas, agregando e aumentando ainda mais os seus déficits orçamentais. O que significa que daqui a poucos anos vai existir uma nova crise da dívida pública. Portugal está considerado neste momento como um país responsável (e não irresponsável), podendo ser portanto um dos países de garantia da estabilidade e confiança. Portugal pode atrair fluxos de capital muito relevantes para investimento direto estrangeiro e/ou de poupança.
O quarto desafio é o da política industrial. A Europa deslocalizou a sua indústria com a globalização e ficou “nas mãos” de países como a China ou a Índia. Agora entendeu que não pode entregar a sua cadeia de valor a nações nas quais não se identifica nos seus valores e não pode confiar. Até na Alemanha surgem necessidades de criar uma nova política industrial europeia. Política essa que utilize a escala da Europa e que a integre e proteja dos outros blocos. O grande problema é que a Europa não é uma federação ou um país. Em termos orçamentais a política industrial na Europa é nacional e não europeia, e este é um dos maiores problemas da economia europeia.
Ainda existe uma ingenuidade em Portugal por não reconhecer a “nacionalidade” das políticas europeias e da força de países (Alemanha) mais fortes e com mais influência em Bruxelas, que vão ditar as regras para as economias menos poderosas. Portanto começar a estruturar a economia portuguesa assente em segmentos de mercado de baixa dimensão e elevado valor.
O quinto desafio é do começo de uma guerra comercial entre EUA vs China vs a Europa. Estamos a ver isso já com a taxação nos automóveis elétricos. E se Trump for eleito, este protecionismo certamente acontecerá. Ora a economia da China cresceu baseada nas exportações. Portento tem de manter este ritmo de crescimento baseado nas exportações. Como forma de combater esta guerra comercial, pode desvalorizar a moeda ou realizar políticas de dumping para exportar para a Europa, caso não consiga exportar para os EUA. Com riscos elevados para a economia europeia, que não conseguem nem uma forma, nem outra. Este recuo da globalização e do “off shoring” pode beneficiar Portugal enquanto ocorre a reorganização do comércio das empresas alemãs ou francesas. Podemos beneficiar das regras de sustentabilidade industrial que irão gerar medidas protecionistas face a mercados de fora da Europa. Podemos mesmo explorar novos nichos de mercado. Temos de ser “full agile” com uma cultura de inovação e de melhoria contínua.
Finalmente o desafio da demografia. A mortalidade em Portugal é superior à taxa de natalidade. Para além deste déficit ténis uma expectativa de vida que aumenta 3 meses em cada ano, mas que nos próximos anos aumentará 1 ano em cada ano. O biohacking vai melhorar a saúde, o desempenho e o bem estar, conseguindo que na próxima década possamos ambicionar viver até aos 120 / 130 anos. Estima-se que 9 biliões de pessoas viverão neste planeta em 2035. Temos portanto desafios de criar regras e planeamento para os movimentos migratórios, fundamentais para a nossa economia. Temos o desafio da intergeracionalidade e do “Lifelong learning” ou educação continuada e permanente ao longo da via. Temos o desafio do imediatismo, pois o conhecimento humano em 1900 dobrava a cada 100 anos; em 2014 a cada 12 meses; em 2020 a cada 12 horas.
Em suma muitos desafios e muitas oportunidades. Basta utilizar o conhecimento e pensar que podemos ter um país muito melhor! Depende de nós…
“Tenho em mim todos os sonhos do mundo.” – Fernando Pessoa