Pode o edificado ter efeito positivo no clima?

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

As alterações climáticas são uma evidência e o conceito da descarbonização associado está na boca do mundo. Para isso considera-se ser necessário reduzir drasticamente o consumo dos combustíveis fósseis.

No entanto, mesmo que esse consumo terminasse de um momento para o outro, o problema do efeito de estufa promovido pelo dióxido de carbono (CO2) existente na atmosfera perduraria, pois o CO2 enviado para a atmosfera pode ter um tempo de vida superior a 100 anos, permanecendo durante esse tempo a provocar tal nefasto efeito.

Atualmente, para diminuir o CO2 existente na atmosfera a breve/médio prazo apenas se fala em processos para a sua remoção, armazenamento ou sequestro. Existem vários processos técnicos para a captura e armazenamento de carbono, mas são onerosos e, por enquanto, de uma eficácia limitada, pelo que não podemos depender apenas destes.

Outra solução, a qual já aqui discuti anteriormente mas sob outras perspetivas (https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/materiais-fotossinteticos-o-santo-graal-do-sequestro-de-carbono/ e https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/materiais-fotossinteticos-o-santo-graal-do-sequestro-de-carbono/ ) refere-se a uma abordagem diferente a este problema, e que é ao mesmo tempo uma solução simples e de grande potencial e escala: o sequestro de carbono em materiais fotossintéticos, como a madeira, a cortiça, o bambu, o cânhamo etc. e a sua utilização na construção e equipamento de edifícios.  Acresce que neste caso não serão necessários grandes investimentos e de retorno complicado.

É correntemente referido que os edifícios são responsáveis por cerca de 40% das emissões globais de CO2, com uma repartição de pouco mais de 1/4 destas na fase de construção e o restante durante a utilização na sua vida útil. A emissão relacionada com os edifícios começa na produção dos materiais de construção, sendo o cimento e o aço componentes reconhecidos como altamente contributivos para as referidas emissões, dado necessitarem de processos intensivos em energia para a sua produção.

Assim o incremento da construção de edifícios com base em materiais fotossintéticos como os referidos atrás e afins seria uma oportunidade por excelência para promover o sequestro do carbono com os consequentes benefícios para o clima. Podem ser utilizados inúmeros componentes construtivos baseados nestes materiais (ex. vigas, pilares, revestimentos, isolamentos, portas, janelas, divisórias etc.) e mesmo em equipamentos habitacionais como mobiliário, balcões, pérgulas etc.

Para além disso, a construção em madeira está também geralmente associada a pré-fabricação e produção modular o que por si só traz vantagens a nível da pegada carbónica da construção, para além da maior rapidez e diminuição de custos, o que é de enorme importância face à crise habitacional existente a nível nacional e europeu.

Acresce ainda o facto de no final do tempo de vida estes componentes poderem ser reutilizados ou reciclados. Assim, a madeira e afins são materiais de construção renováveis que requerem menos energia na sua transformação, comparativamente a outros materiais de construção, para além de, ao invés de emitir carbono, o armazenam durante anos, décadas ou mesmo séculos. Há dados que referem que o processo de transformação de madeira utiliza substancialmente menos energia por unidade de volume do que outros materiais de construção. Há dados que apontam que se considerarmos um metro cúbico de madeira, no lugar de outros materiais de construção, como betão, blocos ou tijolos, se diminui de 0,75 a 1 toneladas a emissão de CO2.

Se a isto associarmos produção descentralizada renovável de eletricidade (fotovoltaica, minieólica por exemplo), recolha de água da chuva, reutilização de águas residuais, e outras soluções associadas à construção sustentável, poderemos ter até um edificado com pegada carbónica negativa.

Segundo informações recentes, foi decretado em França, há poucos anos, que os novos edifícios públicos teriam de ter uma incorporação mínima de madeira de 50%. Ora aqui está uma política pública que poderia ser adotada também a nível nacional, com os devidos ajustes.

Pelo que se pode concluir que estes materiais de construção e técnicas construtivas podem contribuir positivamente para os objetivos de desenvolvimento sustentável, baixo consumo carbónico e circularidade.