Perspetivas sobre as tecnologias energéticas

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Sabe-se que existe uma interligação entre as três áreas estratégicas de políticas públicas relacionadas com a energia, a indústria e o comércio, pois é necessário reconciliar a economia de mercado com energias limpas económicas e a necessidade de ter cadeias de abastecimento seguras e resilientes. Isto coloca o desafio de saber que agentes económicos apoiar e definir as prioridades de inovação.

O mercado global das principais tecnologias energéticas “limpas” (fotovoltaica, eólica, veículos elétricos, baterias, eletrolisadores e bombas de calor) cresceu cerca de quatro vezes, de 2015 até 2023, representando então, segundo um relatório da International Energy Agency (IEA) de outubro de 2024, cerca de 700 mil milhões USD, e as perspetivas são de que esse mercado triplique até 2035, para cerca de 2 biliões USD.  Para estas seis tecnologias a produção da China atingiu, em termos de valor, cerca de 70% do valor global.

Para se ter um termo de comparação, refira-se que o comércio global de bens correspondeu, em 2023, a 24 biliões USD, representando os combustíveis fósseis cerca de 10% deste valor e as tecnologias energéticas “limpas” globais cerca de 1%, mas em franco e rápido crescimento. O maior elemento deste último comércio são os veículos elétricos, tendo atingido em 2023 um quinto do total do valor global dos veículos comercializados.

Neste momento pode dizer-se que existe uma onda de investimento na produção de tecnologias energéticas “limpas”. Só no ano de 2023 esse investimento ascendeu a 235 mil milhões USD e representou cerca de 3% do PIB mundial. E uma maior produção neste domínio faz aumentar a procura de certos recursos e matérias-primas, o que pode tornar menos resiliente essa produção.

Em comparação com a China, os custos de produção de algumas destas tecnologias energéticas “limpas” são 40% mais caros nos EUA, 45% mais caros na UE e mesmo 25% mais caros na Índia, sendo que a China tem de 40% a 98% da capacidade de produção das tecnologias-chave deste tipo. No caso específico das baterias para os veículos elétricos os custos de produção na UE são 50% superiores aos da China.

Um estudo feito pela IEA, com mais dos 50 principais produtores neste domínio, revelou que outros fatores, para além do custo, influenciam as decisões de investimento. Nomeadamente, as políticas de apoio, o acesso ao mercado, a experiência e conhecimento da base industrial e, naturalmente, as restantes infraestruturas.

Verifica-se que os combustíveis fósseis proporcionam também recorrentes fluxos de comércio de energia, enquanto que o comércio relacionado com as tecnologias energéticas “limpas” assenta em stocks de longa duração de geração de energia e de equipamento. Ou seja, como exemplo, uma única viagem de um porta-contentores transportando painéis fotovoltaicos pode proporcionar meios para gerar eletricidade equivalente à quantidade gerada a partir de gás natural transportada em cerca de 50 navios-tanque de GNL ou de 100 graneleiros com carvão. Ora este aspeto tem também impacto a nível energético/ambiental.

A nível da UE, os alvos do Net Zero Industry Act (NZIA) serão facilmente alcançados para algumas tecnologias, tal como por exemplo para os componentes para a energia eólica e a produção de bombas de calor (24 milhões de equipamentos instalados na UE em 2023), mas o mesmo já não se passa, por exemplo com os veículos elétricos. Onde a competição chinesa tem tendência para aumentar. Por exemplo, em 2023 40% de todos os carros vendidos na China foram elétricos e apenas 20% na UE. A nível dos eletrolisadores também a China tem uma capacidade de produção de 60% do global.

Só uma única fábrica da China, que estava em construção no ano passado, pode produzir painéis fotovoltaicos suficientes para responder à procura total atual da UE. De acordo com a IEA, prevê-se que em 2035 as exportações de tecnologias energéticas “limpas” da China ascendam a 340 mil milhões USD, o que corresponde às exportações conjuntas de petróleo da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos em 2024.

Mas algumas ações estão a ser tomadas a nível europeu. Sendo que o fotovoltaico é a tecnologia com maior crescimento na UE, a Comissão Europeia lançou em 2022 a European  Solar PV Industry Alliance, com o objetivo de aumentar a capacidade de produção desta tecnologia na Europa. A nível do eólico, os produtores europeus produzem para 85% do mercado europeu e 30% a nível global. E é de citar também a European Battery Alliance lançada em 2017.

Os países africanos, o Brasil, da América Latina e do Sudoeste Asiático, para além dos aspetos de mineração e de processamento de minerais, pretendem também subir na cadeia de valor. Apresentam vantagens a nível de custos e eventualmente também a nível de alguns apoios. Por exemplo o Brasil já produz mais de 5% das pás para turbinas eólicas e pode aumentar essa produção. E muitos destes países têm também importantes recursos de energia renovável.

Prevê-se que o tráfego marítimo global aumente cerca de 1% ao ano na próxima década. Trata-se de um crescimento mais lento do ocorrido até aqui, devido, entre outros fatores, a um menor crescimento do comércio de combustíveis fósseis. Mas, embora haja menor tráfego, nalguns locais de passagem mais concorridos há estrangulamentos. Por exemplo no estreito de Malaca estima-se que passe cerca de 50% do comércio de tecnologias energéticas “limpas” o que ainda pode crescer no futuro e esta dependência pode colocar riscos nas cadeias de abastecimento relacionadas.

E como infelizmente está agora muito na moda, as taxas e tarifas têm também um papel negativo no comércio das tecnologias energéticas “limpas”, havendo casos em que são superiores às aplicadas aos combustíveis fósseis.

Assim, para se poder atingir os objetivos ambientais é necessário conseguir ter um equilíbrio entre as políticas energéticas, industriais e comerciais. Mas não há uma receita única para isso…