Parem de brincar com a IA!
Por Nuno Santos, Diretor da Pós-Graduação em Analytics for Business do Iscte Executive Education
Mais coisa, menos coisa, este é aproximadamente o título que Tom Davenport e Nitin Mittal dão ao artigo que podem ler aqui.
Como referem estes autores, para que possam retirar um valor substancial da Inteligência Artificial (IA), as empresas têm que “fundamentalmente repensar na forma como os humanos e as máquinas interagem num ambiente profissional”. No essencial focar-se na forma como colaboradores e clientes interagem com a empresa. Dizem-nos ainda que as empresas devem considerar a integração sistemática de IA em todos as operações para suportar novos processos e decisões fundadas em factos. Em síntese, a IA deve ser vista como um dos (senão o maior) driver da mudança, monetizando dados interna e externamente, tendo capacidade de criar novos produtos e serviços. Por outras palavras, se as empresas querem potenciar a IA, devem vê-la como um fator que eventualmente tem a missão de transformar todo e qualquer aspeto do negócio.
São muitos os estudos e artigos científicos que prescrevem (ou ensaiam) estratégias para capitalizar dados e tecnologia a favor do negócio. De aspetos tecnológicos a organizacionais, de uma forma geral todos destacam duas dimensões centrais para que as empresas possam provar valor com iniciativas analíticas: Cultura e Pessoas!
Sendo alguém que tem estado nas últimas décadas atento ao desenvolvimento desta área, depois do relativo insucesso dos Expert Systems, o tremendo crescimento da aplicação de Machine Learning a problemas de negócio (umas vezes bem, outras menos bem, mas está a fazer o seu percurso), é efetivamente o fator que veio mudar as regras do jogo e a forma como as empresas podem (ou podiam) criar valor a partir de dados. Apesar das técnicas de Machine Learning não serem novidade nenhuma, o que é verdade é que hoje temos muito mais dados e capacidade de computação para fazermos coisas que há uns anos não conseguíamos. As técnicas de Deep Learning são relativamente novas, mas já nos permitem endereçar muitos problemas que anteriormente não eram tão acessíveis como reconhecimento de imagem, vídeo, som, etc. Se hoje achamos que estamos na era em que conseguimos processar dados com uma grande profundidade, os próximos 10 anos mostrarão como estamos ainda no arranque de uma nova era nesta área.
Sobre o impacto da IA nas empresas e na sociedade em geral, não partilho (nada) as profecias da desgraça, nem os otimismos mais românticos. Trata-se de mais uma tecnologia na história, como tantas outras, e vai depender de nós o que dela fizermos. Se a usamos bem, ou mal.
Mas estas são tecnologias que vieram para ficar, e como nos diz por exemplo o “The state of AI in 2021”, existe uma clara diferença na utilização de dados e IA entre as empresas de alta performance e as demais. E acreditando que as empresas querem usar dados e IA para criar valor (de forma ética, justa e responsável, claro!), as empresas que não prepararem os próximos 10 anos na utilização dos seus dados irão perder oportunidades e capacidade competitiva.
É aqui que volto à ideia da cultura e das pessoas. Estamos numa fase histórica em que se debatem extremos otimistas e pessimistas sobre o impacto que a IA terá no mercado de trabalho, bem como novas perspetivas de colaboração e sinergias entre homens e máquinas. Independentemente deste debate, sobre o papel transformacional que a IA pode trazer, se as empresas querem desenvolver-se analiticamente, é pela cultura e pelas pessoas que devem dar o primeiro passo!
Apesar de sabermos que mundialmente os executivos reconhecem que o principal impedimento para se tornarem empresas data-driven é a cultura (92% dos executivos do estudo NewVantage Partners – Data and AI Leadership Executive Survey 2022 identificam resistência à mudança, necessidades de formação, iliteracia de dados, entre outros como as principais barreiras para o desenvolvimento analítico organizacional), e de sabermos também que por exemplo pelo “The state of AI in 2021, que um terço das empresas de elevada performance criaram centros de formação dedicados a pessoal técnico não-técnico para desenvolver competências e capacidades de dados e IA), e que metade das empresas participantes no “IBM Global AI Adoption Index 2022” tentam contornar a falta de profissionais na área com a formação e treino dos seus colaboradores, o que é facto é que ainda estamos numa fase em que as empresas pouco olham para a necessidade de formação transversal dos seus recursos humanos e da literacia de dados.
Os rankings valem o que valem. E há-os para todos os gostos. Normalmente gostamos de os mostrar (e é agradável) quando estamos bem posicionados. Sem discutir a representatividade e a validade dos rankings, gosto de os entender como sinais num contexto. E neste aspeto, um sinal é o Global Skills Report de 2022 da Coursera. Para este ranking fazem parte os mais de 100 milhões de estudantes da Coursera em 102 países. E este ranking diz que Portugal está na posição 66 do ranking (em 102 países), no percentil 38 em ciência de dados, e no percentil 37 nas competências tecnológicas. Em comparação, temos a Espanha aqui ao lado no percentil 85 em ciência de dados. Vale o que vale, mas fica como o sinal. Eu cá preferia estar mais próximo do topo do ranking…
É aqui que as empresas, públicas e privadas, não podem perder a oportunidade de integrar competências, capacidades e literacia também nesta área de dados. E de forma transversal. Perder a capacitação dos seus recursos hoje, tornar-nos-á menos competitivos no futuro.
As escolas portuguesas estão a fazer esse caminho e um bom trabalho de uma forma geral. O número de formações e programas na área de ciência de dados aumentou significativamente nos últimos 5 anos. E são ofertas globalmente de qualidade comparável ao que de melhor se faz mundialmente. Está na hora das empresas deixarem de tentar iniciativas e casos de uso isolados sem conseguirem monetizar os dados e provar valor.
Apesar do título deste texto, brincar com dados nunca fez mal a ninguém. Pelo contrário! No entanto, para as empresas se desenvolverem analiticamente e tirarem partido dos dados, o primeiro passo deve ser um foco muito forte nas pessoas e nos recursos humanos. Na formação e no desenvolvimento de uma cultura de dados. Lá está! O impacto da IA nas empresas e na sociedade vai depender do que dela fizermos. E, por enquanto, quem a desenvolve são as pessoas!