Ver o futuro com novos olhos

Por Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde

“O MUNDO GIRA EM TORNO DE CADA AÇÃO NOSSA E DE CADA OMISSÃO NOSSA, QUER O SAIBAMOS OU NÃO.”    Abraham Verghese

É essa consciência que nos deve guiar quando pensamos nos desafios ambientais que enfrentamos. O futuro não se constrói apenas com grandes decisões políticas ou tecnológicas, mas com a soma de pequenas escolhas feitas com novos olhos e maior exigência. E é com essa clareza renovada que devemos olhar para a reciclagem de embalagens, para a sustentabilidade e para o papel da inovação na construção de um país mais resiliente e comprometido com o seu futuro.

Num contexto europeu que procura reforçar a sua competitividade, é imperativo não abdicar da estabilidade nos temas que sustentam esse caminho. O ambiente e a reciclagem não devem ser reféns das flutuações políticas ou económicas. É necessário um compromisso firme, uma visão de longo prazo e uma colaboração estratégica.

Num contexto de incertezas geopolíticas e económicas, é fundamental manter o foco no que é crucial: a transição verde, a inovação na economia circular e a articulação entre todos os intervenientes neste ecossistema — empresas, entidades públicas, municípios e cidadãos.

Temos de ser claros: não há competitividade possível sem sustentabilidade. E não haverá sustentabilidade sem estabilidade. O futuro das nossas cidades, da nossa economia e da nossa indústria depende de escolhas corajosas, feitas agora.

A inovação é um dos pilares dessa estabilidade. Porque inovar com propósito é o caminho mais seguro para garantir que a sustentabilidade deixa de ser “promessa” e passa a ser prática — e é essa prática, contínua e estruturada, que dá estabilidade ao futuro que queremos construir.

A Sociedade Ponto Verde tem vindo a enfatizar que a inovação não deve constituir uma exceção, mas sim uma prática regular e contínua. Projetos como o Recycleye, que integra inteligência artificial no processo de triagem de embalagens, ou o braço robótico da Danu Robotics, ilustram como a tecnologia pode beneficiar a circularidade e aumentar a eficiência.

Estas soluções foram desenvolvidas no âmbito de parcerias sólidas e com uma visão estratégica bem definida. O mesmo se aplica ao baldeamento assistido no canal HORECA — um projeto-piloto que não só aumentou a taxa de reciclagem de embalagens de vidro, como também demonstrou a viabilidade de inovação através de uma abordagem simples, quando se trabalha em estreita colaboração com os intervenientes locais.

Os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) desempenham um papel crucial neste percurso. É necessário um investimento estratégico, não apenas para a melhoria das infraestruturas, mas também para a adoção de tecnologias que garantam uma maior captação e uma melhor qualidade na triagem. O programa Re-Source, constitui um exemplo notável dos resultados alcançados através de investimentos criteriosos e bem concebidos. Até ao momento, o programa Re-Source apoiou mais de 20 projetos inovadores, tendo atraído 403 candidaturas de 49 países, demonstrando a capacidade de Portugal para assumir um papel de liderança na Europa.

No âmbito do SIGRE, consideramos que este é o momento oportuno para reforçar a cooperação entre operadores, municípios, entidades gestoras e empresas. A SPV pretende desempenhar um papel de facilitadora e agregadora. Esta decisão não decorre de motivos fúteis, mas sim da convicção de que apenas através da colaboração conjunta será possível identificar as soluções mais eficazes para enfrentar os desafios partilhados.

Liderar hoje significa saber unir, ouvir e agir — porque os desafios do sistema são comuns, mas as soluções só surgem quando há verdadeira vontade de caminhar juntos. Esta liderança é exercida com sentido prático e escuta ativa. É imperativo reduzir a burocracia e aumentar a ação. É necessário reduzir a quantidade de planos e aumentar a implementação, tal como o próprio Plano Draghi defende.

Exemplo disso mesmo é o Plano Draghi representa uma oportunidade clara para Portugal. A Europa precisa de recuperar competitividade com base na sustentabilidade, na inovação e na simplificação, Portugal reúne condições únicas para liderar esta agenda. Temos talento, recursos e uma estrutura empresarial preparada. Falta apenas garantir estabilidade e escala. O tempo de agir chegou.

Quando o mundo hesita, quem vê com clareza deve liderar — e Portugal, com visão, talento e vontade, pode ser o motor europeu de uma transição verde feita de soluções concretas. Este plano não pode tornar-se mais uma promessa adiada. É tempo de avançar com incentivos reais à reutilização de materiais, à produção limpa e à introdução de sistemas inteligentes de recolha e triagem. Precisamos de premiar quem já integra materiais reciclados nos seus processos produtivos.

A economia circular apresenta-se como uma resposta sólida à escassez de matérias-primas. O setor das embalagens, no qual a SPV opera, constitui um dos principais campos de ensaio para novas soluções. O contraste com os Estados Unidos é cada vez mais evidente. Com a reeleição de Donald Trump e o recuo das políticas ambientais norte-americanas, a Europa tem agora uma responsabilidade acrescida: liderar a transição verde, com coragem, visão e ação concertada.

Neste contexto, o papel da SPV adquire uma importância acrescida. A nossa missão é continuar a ser um farol, não apenas para observar o que está a acontecer, mas também para antecipar o que está por vir. Queremos inspirar soluções e unir esforços. Acima de tudo, queremos garantir que nenhum retrocesso ponha em causa os progressos já alcançados.

A reciclagem de embalagens e a sustentabilidade não pedem espaço numa agenda — exigem lugar no coração das decisões que definem quem somos e o futuro que queremos ter.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 229 de Abril de 2025