Todos os negócios têm de ser sustentáveis, ou talvez não

Tem vindo recentemente a terreiro o facto de os bancos poderem vir a cobrar comissões pela utilização dos ATM (vulgo multibancos)

Por Manuel Lopes da Costa, managing partner da Bearing Point

Os bancos defendem a sua pretensão dizendo que todos os negócios têm de ser sustentáveis, inclusive o deles, algo que é entendível e até aceitável. Na opinião dos interessados, as margens financeiras cada vez mais reduzidas, a regulação cada vez mais exigente aliada ao facto de no estrangeiro (e nomeadamente na Europa comunitária) a cobrança de comissões em ATM ser prática generalizada, legitima as pretensões. A somar a esse facto cada máquina ATM tem associada custos elevados pelo que não faz sentido, segundo eles, continuar a sua utilização a ser gratuita. Por outro lado, são várias as instituições que o que ganham do negócio bancário, nomeadamente do produto bancário gerado da actividade corrente, mal dá (quando dá) para pagar as suas despesas operacionais.

Sendo o produto bancário a soma da margem financeira (diferença entre a taxa dos empréstimos e dos depósitos) e da complementar (comissões cobradas por serviços prestados), e dado que não se consegue devido às condições de mercado actuais actuar sobre a primeira, resta aos bancos actuar sobre a segunda, ou seja, aumentar as comissões actuais ou alternativamente começar a cobrar comissões por serviços até ao momento gratuitos. Recentemente esse foi o caso de alguns bancos que começaram a cobrar por um serviço inovador e com grande adesão por alguns segmentos, o MBWay.

Tratando-se a actividade bancária de um negócio, deveríamos pois, entender, as razões enumeradas pelas instituições bancárias e pela sua associação e aceitar que efectivamente não resta outra solução senão a de pagar as comissões que nos serão cobradas pelas transacções realizadas nos ATM.

Mas tentemos dissecar as razões enunciadas, uma a uma. Recordemos que a introdução dos ATM (Multibancos) foi o que permitiu na altura aos bancos reduzir significativamente os seus custos operacionais, nomeadamente os custos de pessoal nas agências/balcões e os custos processuais. Nessa altura, o business case associado à aquisição de cada máquina ATM era claramente favorável aos bancos, ou seja, as máquinas ATM eram baratas face ao benefício que vieram gerar para as instituições que as implementaram. Vir agora dizer que essas máquinas têm custos associados muito elevados, e como tal não se pode continuar pretender manter a sua utilização gratuita, é não recordar os anos 80 onde cada agência bancária tinha 30 ou mais funcionários e as filas do atendimento ao público eram enormes e morosas. Mal comparado, era como agora virem as “Low Costs” dizerem que cada passageiro aéreo pelo privilégio de poder fazer o seu check-in no conforto da sua casa deveria pagar uma taxa adicional esquecendo-se que efectivamente só são capazes de praticar as tarifas que praticam porque passaram para os passageiros a maioria das tarefas de reserva e check-in que tradicionalmente estavam do lado da companhia aérea. Quanto ao argumento que se trata de uma prática comum por toda essa Europa, convém perceber que aí os bancos não estão organizados numa SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços) e que o sistema Multibanco português desde o seu início, e bem, escolheu a via da partilha e coabitação económica entre todos os intervenientes ao invés de outros países onde cada instituição decidiu ter canais de atendimento automáticos próprios com redes separadas que no inicio nem interligavam. Essa decisão, das melhores para Portugal e para os portugueses na altura permitiu colocar o nosso País na vanguarda da prestação de serviços financeiros baixando em muito os custos a eles associados. A gratuidade do serviço permitia, e permite, a obtenção de benefícios significativos por parte das instituições financeiras aderentes.

Então resta o facto de estarmos perante exigências regulatórias cada vez maiores, custosas e de estarmos numa situação em que as margens financeiras não permitem gerar lucros suficientes. E a pergunta é porquê? E como se chegou a esta situação? E aqui, sem nos alongarmos muito, temos que recordar os anos 90 e 2000 onde os bancos numa fúria desenfreada por angariar novas operações e roubar quota de mercado uns aos outros pura e simplesmente aceitaram financiar operações de montantes elevados, mas absolutamente ruinosas. Nessa altura, não fizeram o que deles era exigido, uma análise de risco rigorosa e recusar as operações que não tinham condições para serem financiadas. E o resultado foi o que todos sabemos: alguns bancos desapareceram e outros tiveram que recorrer à ajuda do Estado (os famosos CoCo – instrumentos de capital contingentes subscritos pelo Estado) ou mesmo a um mecanismo novo e muito oneroso para todos, a conhecida “resolução”.

E é este aspecto que merece uma reflexão séria. Os bancos pretendem aumentar as suas comissões porque sem as mesmas não são um negócio sustentável. Mas qualquer outro negócio que não é sustentável porque os seus responsáveis agiram erradamente tem uma consequência, a falência. E qualquer outro negócio quando entre em falência nem o Estado nem os portugueses vêm, através dos seus impostos, em seu auxílio. Ora, nos últimos anos, relativamente ao negócio bancário foi exactamente isso que aconteceu, as instituições que foram mal geridas não faliram, tiveram sim os impostos dos portugueses a pagar por essa incúria e por essa incompetência. Salvam-se, no entanto, os casos meritórios das instituições que restituíram ao Estado português, com juros (bastantes elevados é verdade), os seus CoCo.

Embora todos tendam a entender a bondade da pretensão em taxar as transacções realizadas nas ATM seria talvez útil aproveitar o momento para igualmente juntar a essa pretensão a hipótese de os bancos, como qualquer outro negócio, poder falir, e tal como qualquer outro negócio, essa falência afectar os seus accionistas, clientes e fornecedores e não a população portuguesa em geral. Se assim acontecer, o mercado saberá por fim distinguir o trigo do joio e poderá julgar da melhor forma com quem deseja fazer negócios financeiros. Enquanto, como até ao momento, este negócio gozar de uma protecção quase “divina” sustentada no património colectivo dos contribuintes nacionais, provavelmente os portugueses não merecem que lhes sejam cobradas as transacções do Multibanco. O negócio bancário, tal qual está implementado em Portugal, pode muito bem não ser sustentável.

Este artigo foi publicado na edição de Junho de 2019 da Executive Digest.

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