
Responsabilidade social das empresas: Quais os limites?
Por Luís Paulo Salvado, Chairman e CEO da Novabase
Milton Friedman, um dos mais influentes economistas do século XX, defendeu no seu artigo seminal “The social responsibility of business is to increase its profits”, publicado há pouco mais de 50 anos, que a melhor forma das empresas contribuírem para a prosperidade das sociedades é focarem-se no aumento dos seus lucros.
Neste documento, Milton Friedman alerta que «a doutrina da responsabilidade social levada à letra implicaria a expansão dos mecanismos políticos a toda a actividade humana. Não difere em filosofia da mais explícita doutrina colectivista. (…) Só existe uma responsabilidade social das empresas – a utilização de recursos e o desempenho de actividades destinadas à produção do lucro desde que isso seja conseguido dentro das regras do jogo (…)».
Muitos acreditam que foi desta escola de pensamento que derivou o boom de criação de riqueza nos países capitalistas nas últimas décadas. Os seus partidários argumentam que o desfoque da geração de lucro dá origem a acumulação de ineficiências, prejudicando a inovação e a capacidade criativa das economias. Isto conduz à redução do potencial de crescimento económico e a uma maior tendência à dependência das empresas do Estado, problema particularmente sério em alguns países (como, por exemplo, Portugal). O capitalismo baseia-se na criação de riqueza das empresas por via da liberdade de acção e da correcta alocação do capital disponibilizado pelos accionistas e credores. E, goste-se ou não, tem aumentado a riqueza e prosperidade dos países que o têm adoptado, retirando centenas de milhões de pessoas da pobreza, como bem evidencia o caso da China nos últimos anos.
Contudo, não podemos ignorar que a ganância e a obsessão pelos lucros conduziram muitas empresas a situações catastróficas, pondo em causa os interesses de todos os stakeholders, incluindo dos próprios accionistas. Por isso, e sobretudo desde a crise financeira de 2008, o papel das empresas tem sido questionado pelas opiniões públicas dos países desenvolvidos. A natureza dessa crise, assente numa tomada exagerada de risco em áreas importantes do sistema financeiro, fez com que os contribuintes fossem chamados a pagar os colossais prejuízos de várias empresas – financeiras mas não só – para evitar o colapso económico dos seus países.
No rescaldo desse período, tem-se assistido a um reforço de escrutínio sobre as empresas e a uma maior pressão para que o lucro para os accionistas não constitua o Alfa e o Ómega do mundo dos negócios. Ao invés, a opinião pública, em particular nas sociedades livres ocidentais, passou a esperar e exigir que as empresas se posicionem como um referencial de responsabilidade social nas mais diversas áreas.
Um dos mais importantes relatórios globais que mede a confiança das pessoas na sociedade tem vindo a confirmar, nas suas últimas edições, esta tendência. O Edelman Trust Barometer de 2022 revela-nos mesmo que, na maioria dos países desenvolvidos, os cidadãos depositam maior confiança nas empresas – e não nos governos (!) – para liderar e produzir resultados na resolução dos desafios e questões sociais com que se deparam. Face à descrença na capacidade dos governos em encontrarem soluções, pede-se às empresas que sejam mais interventivas em áreas como as alterações climáticas, a desigualdade económica, a requalificação da mão-de-obra e a informação não-fidedigna (fake news), nomeadamente através de uma maior pró-actividade e activismo dos seus dirigentes e líderes.
Há quem considere que esta pressão sobre as empresas, para que ocupem um espaço tradicionalmente confiado aos governos, poderá ser altamente perniciosa e até constituir uma séria ameaça ao normal funcionamento das democracias. A voz dos cidadãos deverá estar representada nos governos – e não nas empresas – os quais são eleitos para propôr e aprovar as políticas nos temas socialmente relevantes, fixando as regras do jogo e controlando o seu cumprimento. Significará isto que deverão existir limites à responsabilidade social das empresas? E, se sim, quais deverão ser esses limites?
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 192 de Março de 2022