Incentivos a empresas em tempos de crise e de recuperação: lições de Portugal

Por  Clara Raposo, Dean do ISEG

É sabido que as pequenas e médias empresas enfrentam desafios que limitam a sua capacidade de crescimento e criação de valor na economia.

Alguns desses desafios são estruturais, como a dificuldades em alcançar economias de escala e aceder a recursos financeiros, físicos ou humanos. Na última década e meia, as empresas portuguesas enfrentaram também desafios conjunturais, sobretudo durante as crises económicas e financeiras que dominaram o período 2008-2013.

Mais recentemente, as empresas foram severamente afectadas pelas consequências da pandemia. Foram adoptadas medidas, em Portugal e no mundo, para mitigar o seu impacto sobre as empresas, assegurando acesso a liquidez para a manutenção básica da actividade. Ultrapassado o choque inicial, a discussão passou a centrar‑se no apoio às empresas para assegurar a recuperação das economias. Tornou‑se claro que não é possível nem desejável apoiar todas as empresas, mas sim as empresas viáveis. Neste contexto, estudar os apoios concedidos a empresas portuguesas na crise anterior, bem como no período de recuperação subsequente, pode trazer ilações importantes sobre medidas a adoptar no presente e no futuro.

A Fundação Francisco Manuel dos Santos acaba de publicar, em livro, um estudo sobre a evolução do financiamento das PME portuguesas entre 2008 e 2018, com particular enfoque nas implicações da iniciativa PME Líder – PME Excelência, promovidas pelo IAPMEI e pelo Turismo de Portugal, com a participação activa de diversos bancos que operam no nosso país. Tive o privilégio de ser a coordenadora deste estudo, com duas co-autoras fora de série, as professoras Cláudia Custódio e Diana Bonfim. Não os vou maçar com os detalhes científicos da metodologia econométrica aplicada, nem com a totalidade da análise, mas deixo aqui algumas conclusões do estudo que me parecem interessantes para os leitores da Executive Digest.

De uma forma sucinta, os resultados do estudo sugerem que apoiar um conjunto de pequenas e médias empresas promissoras tem efeitos positivos, sobretudo durante períodos de crise. Através da concessão de empréstimos com garantia pública, foi possível ultrapassar restrições no acesso a crédito num período de instabilidade para o sistema financeiro, assegurando o acesso a financiamento, a custos razoáveis, às empresas mais competitivas. Tal permitiu que estas empresas apresentassem uma trajectória de investimento mais positiva do que as restantes, evitando também a destruição de emprego. Além disso, a componente de “certificação” financeira inerente a um programa que reconhece apenas as melhores empresas (poder usar o título “PME Líder” ou “PME Excelência”) também promove o seu acesso a novos clientes e a mercados internos e externos. É de salientar ainda a natureza selectiva desta iniciativa: há barreiras à elegibilidade e apoiam-se aquelas PME que já demonstram ter alguma solidez no seu histórico recente, reduzindo-se, assim, a probabilidade de se estar a apoiar as chamadas empresas “zombies”, bem como o risco para o Estado.

Durante a recuperação económica, quando as restrições no acesso ao crédito, em larga medida, desaparecem e os bancos concorrem entre si para financiar as melhores empresas da economia, os benefícios deste tipo de apoios não são tão claros. Por outras palavras, os apoios ao financiamento das empresas não são especialmente relevantes neste contexto, do ponto de vista da significância estatística. No entanto, mecanismos de certificação, que permitam a clientes, fornecedores e investidores identificar quem são as melhores empresas num determinado sector ou região, podem ter efeitos importantes no crescimento destas empresas, mesmo fora das crises.

Sendo os benefícios do apoio a um conjunto seleccionado de empresas maiores na vigência de crises do que em períodos de recuperação, é importante notar que o mesmo acontece com os custos subjacentes a este tipo de programas. Além do custo operacional de desenhar e monitorizar o programa, que será globalmente estável ao longo do tempo, os principais custos de um programa desta natureza prendem‑se com a activação das garantias públicas concedidas aos empréstimos obtidos por estas empresas. Estas garantias nunca são integrais, fazendo com que os bancos envolvidos tenham um papel activo na selecção e acompanhamento das empresas, o que contribui para diminuir a probabilidade de activação destas garantias (ainda que, em contrapartida, o envolvimento dos bancos tenda a excluir empresas que não precisam de financiamento bancário, ainda que pudessem beneficiar do programa). Além disso, sendo este um programa dirigido às empresas com melhor desempenho, os custos financeiros subjacentes são, inevitavelmente, muito inferiores aos de um programa que abranja todas as empresas ou apenas as mais vulneráveis. Se este desenho permite conter os custos do programa durante recessões, implica também que estes custos tenderão a ser muito reduzidos em períodos de recuperação económica. Ainda que algumas empresas não consigam cumprir os seus compromissos de dívida, esta percentagem é, tipicamente, muito reduzida em períodos de crescimento económico. Em suma, estando amplamente documentadas falhas de mercado que dificultam o crescimento de pequenas e médias empresas e sendo a prevalência de empresas muito pequenas um dos desafios ao crescimento e competitividade da economia portuguesa, programas que apoiem empresas viáveis e promissoras, para corrigir tais falhas, podem ter efeitos agregados positivos, com custos contidos.

Se o estudo agora publicado nos traz algumas lições para o futuro, também nos alerta quanto à necessidade de mais investigação, no sentido de apurar, para uma nova fase de mais ambição: Quais as empresas que devem ser apoiadas no futuro? Que tipo de apoio apresenta maiores efeitos multiplicadores? Como evitar que as empresas fiquem dependentes de tais apoios? Como assegurar que programas direccionados a pequenas e médias empresas não têm o efeito perverso de as desincentivar a se tornarem grandes empresas? E como apoiar as empresas certas na transição energética de que todos dependemos?

Cá estamos para estudar e encontrar respostas e soluções para um modelo de desenvolvimento económico que a todos orgulhe no futuro.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 195 de Junho de 2022

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