Apatia
Por Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Conselho de Administração do Vila Galé Hotéis
Entre outros problemas que a pandemia nos deixou regista-se o acentuar da passividade generalizada, a indiferença, o conformismo.
Dizem que não há hoje grandes causas, mobilizadoras e fico atónito! Haverá causa mais nobre do que melhorar a qualidade de vida das pessoas quer económica, quer cultural, quer socialmente; ou implementar e sustentar valores como a ética, a solidariedade, a justiça, a transparência, o bom senso?
Algumas causas ditas fraturantes são da maior relevância e têm de ser acolhidas, mas não podem destronar nem estrutural nem mediaticamente as causas que devem ser os pilares das sociedades. A excessiva importância dada às redes sociais; a ligeireza, a leviandade, a superficialidade e sobretudo a ausência de confirmação e de contraditório de boa parte das notícias; ou o excessivo consumismo, o desperdício, a poluição, o egoísmo e individualismo, o efémero estão hoje em grande parte na origem desta apatia generalizada.
Dá-se mais importância à frivolidade e futilidade do que às práticas de grande humanidade, solidariedade e de boas ações em geral e às más notícias em detrimento das positivas. Para além do sensacionalismo, parece existir algum masoquismo nestes comportamentos.
Mais grave e preocupante, os praticantes destes valores chegam a ser olhados como possuidores de qualquer desequilíbrio ou problema mental.
Temos de parar com a inveja, a mesquinhez.
Não podemos deixar que o espaço mediático seja ocupado apenas por populismos, por negativismos, por críticas que frequentemente são apenas maledicência pura e duram ao serviço de agendas senão obscuras, no mínimo pouco claras. Os denominados por “grupos de baixa representatividade eleitoral” que falam enúmeras vezes das maiorias.
O sentido crítico é essencial, mas desde que tenha por objectivo razões sérias e positivas.
É tempo de inverter esta tendência passando à acção.
Não podemos continuar a aceitar o lento e deficiente funcionamento da justiça, o mau desempenho da Administração Pública em geral, a gritante perda de performance do ensino público, o desequilíbrio entre Litoral e Interior.
Mas não basta criticar, é preciso passar à acção. É preciso trabalhar, participar, mobilizar
Seguramente não vai chegar nenhum “salvador da pátria” que venha resolver os nossos problemas.
Vamos mesmo ter de ser todos nós, todos juntos a resolver os nossos problemas.
Naturalmente precisamos de liderança, mas não de ditadores de qualquer tendência, seja ela qual for. A mudança terá de ser:
- Com elevação e urbanidade;
- Com empenho e determinação;
- Com solidariedade e tolerância;
- Sem extremismos, com bom senso e equilíbrio.
Nunca como hoje reunimos condições tão propícias para darmos um salto qualitativo na nossa sociedade.
Temos como nunca jovens preparados à procura de um desígnio nacional e de enquadramento. Os mais velhos têm o dever cívico de promover este enquadramento e a transmissão de valores, sob pena de serem os grandes causadores da queda a que vimos assistindo.
E que os mais capazes não receiem assumir as lideranças indispensáveis com seriedade, com coragem, com frontalidade, com ética e com a consciência de que nos tempos que correm não é fácil ser líder.
O que não é possível é desistir antes de tentar, antes sequer de começar.
É fundamental uma reforma da Administração Pública que premeie o mérito, que valorize e dignifique a função, melhore as condições de trabalho e lhe retire os estigmas de inépcia e incompetência, para afinal criar condições para lhes poder exigir.
É indispensável uma reorganização administrativa do País, adequada à realidade, que permita uma descentralização, uma simplificação e uma valorização das autarquias e de todos os que nelas trabalham.
No meio dos sérios problemas que nos trouxe a pandemia, conseguiu mostrar a facilidade de trabalhar à distância, o que é uma excelente oportunidade para o desenvolvimento do interior do País.
Também a aposta em centros universitários de excelência no interior, com custos de vida inferiores, é uma boa solução para estas regiões e para atrair estudantes estrangeiros.
A educação pode ser um negócio a crescer como o turismo cresceu. A saúde pública e privada em complementaridade, é também uma aposta de futuro. Criar centros de ciência médica para atrair clientes internacionais é um caminho a percorrer (veja-se o exemplo da Fundação Champalimaud).
As câmaras municipais terão de criar directamente, ou através de promotores privados com incentivos públicos, soluções de habitação social, para jovens, para idosos e para todos os que precisam deixar o litoral e regressar ao interior do País, bem como espaços para as empresas de serviços, para a indústria, para a agricultura.
O problema da habitação deve ser recolocado na agenda política como o Primeiro Ministro veio reconhecer, pois constitui hoje uma grave carência da população e, em simultâneo, reforça-se a indústria da construção.
Não foi só o turismo que cresceu. Também os produtos agrícolas passaram as contas para as exportações. Assim como o vinho, o azeite, os hortofrutícolas; as tecnológicas, a construção, o imobiliário. Além de que o têxtil e o calçado têm-se renovado e reafirmado, entre tantas outras actividades.
Pena tenho que não se volte a apostar no reforço da construção naval, nas grandes empresas de projecto e consultoria (Hidroprojeto, Hidrotécnica, Profabril, etc), com potencial para exportar serviços.
Apesar de forte e recorrentemente mal tratadas, as empresas, que no final do dia são quem cria riqueza e gera empregos, continuam a afirmar-se no plano económico e social (pese embora alguns maus exemplos empresariais). Bom seria que fossem incentivadas ao crescimento a gerar lucros (que paguem impostos), a criarem dimensão com fusões e parcerias para aumentar a capacidade para exportações. As PME merecem apoio, bem como incentivar a criação de pequenos negócios, mas sem hostilizar as grandes empresas que são indispensáveis a um salto no nosso crescimento.
“SMALL is beautiful” é um conceito que tem plena aplicação em Portugal mas há clientes para tudo e, por isso, o desenvolvimento da economia precisa de várias escalas de negócios.
Portugal tem hoje uma excelente e extraordinária oferta de pequenos hotéis e AL, Agroturismo, entre outras tipologias, de Norte a Sul do País. Mas os hotéis de maior dimensão são indispensáveis para gerar receitas e alavancas, produtos diferenciados como a recuperação de edifícios históricos, o que é fundamental para diversificar ainda mais a oferta turística portuguesa, mas que tantas vezes oferece riscos mais elevados.
Portugal é difícil de entender!
Uma das motivações para a captação de investimentos é a segurança jurídica, a estabilidade, a previsibilidade, a confiança.
Mas nós adoramos fazer rigorosamente o contrário:
- Alterar com frequência a legislação laboral, fiscal, licenciamentos;
- Surpreender com notícias negativas, retrocessos, agravamento das condições anteriormente anunciadas;
- Demonstrar a falta de respeito para com os investidores com tomada de posições precipitadas e lesivas dos direitos entretanto adquiridos;
- Complicar a burocracia – sempre que se tomam medidas para agilizar, surgem logo de seguida medidas reforçadas para voltar a complicar.
E ainda dizemos que as empresas não sabem planear a prazo!
Houve outrora um governante que achou que a agricultura, a pesca e a indústria, eram actividades menores sem interesse para o País, que deveria reconverter-se apenas aos serviços.
Felizmente que a agricultura ultrapassou e superou estas políticas e tem vindo a crescer. Concluiu-se uma pequena parte do regadio do Alqueva com grande atraso e muito sofrimento e gasto de dinheiro, mas antes deste estar concluído já estamos a atacar fortemente o sector da agricultura regada e a criar restrições e dificuldades para o inviabilizar.
Nota final: Como tínhamos “poucas” associações apareceram mais duas.
A total falta de jeito para nos associarmos, é sublimação através do elevado número de associações.
Enfim, vamos todos fazer o que ainda não foi feito. No entretanto, podemos ir olhando para os bons exemplos do Norte da Europa.
Não serão necessários apenas feitos extraordinários. O êxito será o somatório de todos os contributos, sejam eles pequenos ou grandes.
Este artigo foi publicado na edição de Julho de 2021 da revista Executive Digest.