2023: Um ano que pode surpreender ou o ano da encruzilhada?

Por Pedro Castro e Almeida, Presidente da Comissão Executiva do Santander Portugal

No artigo do ano passado, comecei por afirmar: “Embora ainda num contexto de pandemia – e com todas as incertezas quanto aos seus efeitos a nível sanitário e económico – prevê-se que 2022 seja um ano de viragem em que a recuperação se consolide, sobretudo a partir do primeiro trimestre”

Na verdade, quando lancei este tema, no início do ano, não dispunha de um dado relevante na equação: a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro. Um evento que viria a alterar o rumo de 2022, com um impacto profundo e transversal sobre a economia e sobre as nossas vidas: além de trazer de novo a guerra declarada à Europa, colocou em causa o modelo de crescimento que vigorou nos últimos anos, assente num fornecimento regular de energia pela Rússia com um custo baixo. O contexto de guerra materializou-se, entre outros efeitos, numa subida pronunciada dos preços das matérias-primas e energia, com uma acentuada aceleração da inflação, que atingiu máximos de três décadas, exigindo uma intervenção mais musculada por parte dos bancos centrais, nos Estados Unidos e na Europa, com uma subida rápida e pronunciada das taxas de juro. E esta intervenção, de acordo com a mensagem passada pelos banqueiros centrais, ainda poderá prosseguir nos próximos meses.
Apesar desta alteração material de circunstâncias, com o agravamento do custo de vida para as famílias e com o aumento dos custos para as empresas, a economia continuou a crescer, em 2022, embora a um ritmo progressivamente mais lento, que deixa riscos para o ano de 2023.
Dito isto, pergunto: estão as nossas empresas e o nosso país numa encruzilhada? Será que em 2023 vamos conseguir um crescimento económico que tenha impacto positivo na vida das pessoas e das empresas? É verdade que vemos sempre o copo meio vazio.
Com os dados que temos neste momento, antevejo uma mistura de fatores – diria quase explosiva – que parecem colocar-nos numa posição de relativa incerteza. Nos primeiros meses do novo ano, é possível que se viva um contexto económico desafiante, à medida que as famílias e as empresas continuam a ajustar-se a um enquadramento de custos e preços mais elevados, com pressão sobre as margens empresariais e sobre o poder de compra, combinado com os efeitos da subida das taxas de juro.
Deste modo, o crescimento económico em 2023 deverá desacelerar pronunciadamente, embora possivelmente permanecendo em terreno positivo, pois da possibilidade de uma recessão técnica na viragem do ano, é expectável que se inicie uma recuperação a consolidar-se no segundo semestre de 2023. Um importante fator a suportar essa dinâmica é o facto de a generalidade das economias estar numa situação de pleno emprego, pelo que, apesar dos riscos de aumento do desemprego, este poderá revelar-se moderado, continuando a observar-se taxas de desemprego historicamente baixas em 2023. A estabilidade do emprego será um determinante essencial para a confiança dos consumidores.
Portugal não está imune a esta tendência global. Parte de uma conjuntura ligeiramente mais favorável face aos seus pares europeus, com uma recuperação mais sustentada e com desemprego mais baixo, mas não deixará de sofrer os efeitos da elevada inflação e da subida das taxas de juro.
Especificamente, em Portugal, o PIB poderá crescer em redor de 0,6% em 2023, uma forte desaceleração face aos quase 7% estimados para 2022 (refletindo, por sua vez, a recuperação pós-pandémica). O desemprego também poderá registar um agravamento, aumentando para cerca de 7-7,5%, embora ainda claramente alinhado com uma economia no pleno emprego. O potencial de recuperação está patente na projeção de 1,8% para o crescimento do PIB em 2024, já alinhado com a tendência de longo prazo.
Há, contudo, um conjunto de desafios que são transversais à economia, bem como ao setor bancário, e que enumero abaixo:

a) Como podem as famílias acomodar o aumento dos encargos com o serviço da dívida?

O BCE está a proceder à normalização da política monetária a uma velocidade rápida, que exige um maior esforço pelas famílias na gestão dos seus orçamentos. Contudo, durante a pandemia, as mesmas acumularam um maior stock de poupança, materializado no elevado volume de depósitos junto do setor bancário, que pode ajudar à transição neste período. Mas também poderão beneficiar de atualizações salariais (o salário mínimo tem um incremento de quase 8% em 2023), para além de apoios pontuais pelo Estado, como os que já foram executados em 2022. Sem prejuízo de penalização do poder de compra, repito, a estabilidade do emprego é um fator essencial para este ajustamento.

b) E as nossas empresas?

As empresas acumularam também alguma liquidez, nesse mesmo período, pelo acesso às linhas com garantia do Estado, a qual pode ser utilizada neste perívodo de transição. Acrescem potenciais apoios públicos, para mitigar os aumentos dos encargos com energia e matérias-primas, em linha com os que foram já adotados em 2022. A informação disponível sobre a situação económico-financeira das empresas revela alguma capacidade, também, de passagem dos custos mais elevados aos clientes (por sua vez materializada na inflação). As empresas, em 2022, aumentaram não só o VAB como também o excedente bruto de exploração, sinalizando que, em muitos casos, foi possível proteger as margens.

c) E qual é o papel dos fundos comunitários numa economia fragilizada?

Diria que é um papel determinante, pois podem fazer toda a diferença na manutenção da competitividade das nossas empresas, tanto a nível nacional como internacional. Até ao final da década, Portugal irá receber cerca de 60 mil milhões de euros, fruto da conjugação do PT2020, do Plano de Recuperação e de Resiliência (PRR) e do novo quadro financeiro plurianual (PT2030).
Neste ponto, é essencial assegurar dois processos fundamentais. Em primeiro lugar, executar na perfeição o PRR, que tem estado algo atrasado. No final do ano, tinham sido aprovados investimentos correspondentes a 63% do envelope financeiro, mas desembolsados aos beneficiários diretos e finais apenas 7%. A janela de oportunidade é curta (até final de 2026), e os fundos são essenciais para o processo de transição energética e digital da economia portuguesa.
Em segundo lugar, operacionalizar o PT2030, de modo que os fundos possam começar a ser mobilizados já durante este ano. O PT2030 será o principal instrumento financeiro a apoiar as empresas nacionais no quadro das transições mencionadas e terá um papel fundamental na transformação da economia portuguesa para uma economia mais sustentável, com crescimento alavancado na inovação e produtividade.

d) E qual é o papel do sector bancário no apoio à economia?

O setor bancário continuará a desempenhar o seu papel fundamental no apoio à economia, através de duas alavancas. Por um lado, pela sua função de gestão de riscos, que é normalmente secundarizada na análise que é feita ao setor e que envolve, entre outros, uma mitigação dos riscos de crédito e de liquidez da economia. Por outro lado, pelo seu conhecimento profundo dos agentes económicos: famílias e, em particular, empresas, de quem é um parceiro privilegiado. Numa conjuntura que exige elevados investimentos, e em que estarão disponíveis verbas elevadas em fundos europeus, o setor bancário dispõe do conhecimento e capilaridade suficientes para fazer chegar os fundos às empresas e apoiar os seus projetos de crescimento.
O Santander, neste contexto, manterá a sua política de apoio ao desenvolvimento das pessoas e das empresas, alavancada na abrangente transformação digital e comercial que tem vindo a executar, com benefícios claros no serviço que prestamos em termos de qualidade, de antecipação das suas necessidades e, cada vez mais, de sofisticação e rapidez na resposta às maiores exigências dos nossos clientes.
Enfrentamos um período de grandes desafios, que devem ser encarados como grandes oportunidades. As empresas nacionais, como já demonstraram no passado, saberão aproveitar este momento para gerar um novo ciclo de investimento, inovação e transformação, pois só através do crescimento sustentado é que será possível resolver os problemas com que nos defrontamos todos os dias.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 202 de Janeiro de 2023

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