120 dias depois…

Por José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal

O final de um ano é por norma uma época de reflexão, uma retrospectiva do passado e um olhar para o futuro

Não gosto de ficar agarrado ao passado mas reconheço que é importante reflectir, e das experiências passadas trazer aprendizagens para o futuro. No momento em que escrevo esta reflexão passaram-se mais de quatro meses desde o início do ano, mais precisamente 120 dias e tanta coisa aconteceu…

Uma série de ataques informáticos a algumas das mais robustas empresas no nosso país tornaram real a ameaça da cibersegurança, um conflito que assola o mundo e que terá certamente efeitos ao nível da economia europeia, a inflação dispara e aumentam os preços da energia, um orçamento de estado aprovado após inúmeros step backs. Até as alterações climáticas parecem condicionar toda a nossa vida. Janeiro regista a temperatura máxima mais alta dos últimos 90 anos, a chuva não é suficiente, há uma ameaça de seca extrema e ao mesmo tempo a actividade sísmica intensifica-se e o país é assolado por poeiras do norte de África. O turismo volta a crescer e já há sinais de retoma da actividade económica, caem as máscaras, certificados e as restrições deixam de ser a regra, voltamos a sentir uma certa normalidade e a respirar de alívio. Todos estes são factores externos que não conseguimos controlar mas que directa ou indirectamente acabam por ter efeito nas nossas vidas, no dia-a-dia das nossas empresas e das pessoas que delas são parte integrante.

Numa entrevista no início deste ano afirmei que a pandemia veio acelerar muitas das tendências que se antecipavam para o mercado de trabalho, reforçando o tema da flexibilidade e da aposta nas competências e desenvolvimento pessoal. Passados quase cinco meses reafirmo que estes são dois dos principais tópicos que já marcam o presente e que serão cada vez mais determinantes no futuro quando falamos de gestão de pessoas.

Começando pelo tópico da flexibilidade já tão falado, um tema certamente desafiante, que envolve várias dimensões e que é muito mais do que uma decisão sobre um modelo de trabalho híbrido, remoto ou presencial. Falar de flexibilidade é hoje também falar de contribuir para a conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional tão determinante hoje na vida dos profissionais, e esta flexibilidade passa sim pelo local de trabalho e pelo horário, mas também por uma flexibilidade contratual e funcional. É esta harmonia entre aquilo que os profissionais procuram e aquilo que as empresas podem oferecer que vai contribuir para a sua felicidade individual e, que ao mesmo tempo, vai permitir responder à lei da oferta e da procura do lado das empresas.

O caminho que já tem estado a ser feito é de mudança, de redefinição de políticas e práticas mas que implica também uma mudança de mindset, muito focado nas pessoas, no que querem, numa aposta no seu desenvolvimento e crescimento enquanto pessoas. E agora é preciso acelerar este caminho para o desenvolvimento sustentado de uma força de trabalho robusta e que seja capaz de responder à mudança, e esta passa igualmente por uma maior agilidade de funções e tarefas e na qual a qualificação e requalificação profissional não pode ficar esquecida.

É essencial que as empresas desenvolvam estratégias focadas na formação e na reconversão contribuindo para o desenvolvimento das suas pessoas, para o seu crescimento e progressão. Mas esta não é (nem deve ser) uma responsabilidade única das empresas. Cabe-nos a nós também enquanto profissionais saber identificar até onde queremos ir, o que queremos atingir e o que nos falta para lá chegar, e isso passa também por uma auto-avaliação do nosso percurso e das nossas competências. Um trabalho individual de cada um mas onde as lideranças também têm de estar envolvidas e não apenas como ouvintes ou espectadores. Estas devem ser capazes de identificar oportunidades de crescimento, falhas e potencial de melhoria para que possam desenvolver acções visando precisamente o desenvolvimento das suas pessoas, constituindo equipas que sejam future proof.

Comecei a falar do passado e termino a falar do futuro porque é para ele que devemos olhar. Utilizando a analogia do espelho retrovisor, este permite-nos ter visibilidade do que está na nossa retaguarda, mas na verdade estamos sempre a olhar para o futuro, com cautela e a segurança de que podemos sempre saber o que está atrás de nós. E por isso é que afirmo convictamente que aquilo que estamos a construir hoje é fruto de aprendizagens do passado, mais recentemente de dois anos que foram particularmente desafiantes para as empresas e para as pessoas mas que se mostraram também cruciais para o futuro. Tempos que nos fizeram parar e repensar todas as nossas estratégias e hoje sabemos mais do que nunca que não podemos nem queremos voltar atrás, a ser o que já fomos, mas podemos ser mais e podemos fazer ainda melhor. São tempos de mudança, é altura de aproveitar para sairmos ainda mais fortalecidos e mais preparados para o que aí vem.

Passaram precisamente 120 dias desde o início do ano. Temos mais 245 para aproveitar, o dobro do tempo que já passou. O que vamos fazer com ele?

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 194 de Abril de 2022

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