O termómetro e os mercados financeiros

Por Tiago Cruz GonçalvesProfessor de Finanças do ISEG, Universidade de Lisboa

A onda de calor que sentimos nos últimos dias traz-nos desconforto físico, mas também pode refletir-se financeiramente, num aumento dos spreads e prémios de risco e diminuição do retorno financeiro e da liquidez. A investigação de Acharya et al. demonstra que um aumento de um desvio-padrão de exposição a ondas de calor fez subir cerca de 5 pontos base os spreads de obrigações municipais investment-grade e perto de 45 p.b. os de dívida corporativa sub-investment-grade entre 2013 e 2020, além de elevar o retorno exigido nas carteiras de ações mais expostas a esses eventos climatéricos de calor, prova de que o risco térmico passou da meteorologia para o custo de capital.

O impacto é igualmente visível nos resultados das empresas. Pankratz et al. identificam quedas significativas em termos trimestrais de 0,6% na fracturação e 1,8% no lucro operacional, quando o número de dias com temperaturas extremas aumenta, sem que os analistas ajustem de imediato as suas previsões. Deste modo, para analistas financeiros, métricas de calor extremo parecem vir a ganhar o estatuto que antes pertencia apenas ao Brent ou aos mercados cambiais em termos de gestão de risco.

Também o BCE acompanha esta mudança de paradigma. Num discurso em meados de Junho, Frank Elderson, do Board executivo do BCE, confirmou que o risco físico resultante de eventos climatéricos extremos será tratado como “business-as-usual” nos relatórios de supervisão. Em termos de relato, as normas IFRS S1 e IFRS S2, obrigam as empresas cotadas a explicar, com o mesmo grau de verificação das contas, como fenómenos como ondas de calor afetam fluxos de caixa e o acesso a financiamento bem como o custo de capital. Ainda assim, as políticas europeias têm hesitado. Em Abril, o Parlamento Europeu aprovou um adiamento de dois anos nas obrigações da divulgação de sustentabilidade e impactos de eventos climatéricos para a maioria das empresas.

O risco macrofinanceiro também aumenta, como indicado no Boletim Económico do BCE de Junho que avisa que fenómenos extremos podem fazer disparar os preços dos alimentos, reacendendo pressões inflacionistas num ciclo de taxas já volátil, num ambiente geopolítico frágil. A própria estabilidade financeira é impactada. O BCE estima, no seu relatório de estabilidade financeira de Maio, que catástrofes naturais relacionadas com alterações climatéricas, causaram 30 mil milhões de euros em perdas na zona euro em 2024, dos quais apenas 13 mil milhões estavam segurados, ampliando o insurance protection gap e a possibilidade de contágio ao crédito e aos mercados de capitais.

A mensagem para as empresas e gestores aponta para a definição de planos de mitigação de riscos. Será fundamental ajustar geografias e sectores à sensibilidade térmica, bem como investir em adaptação, como o arrefecimento passivo, turnos noturnos, teletrabalho em picos de calor, e desta forma preservar margens e baixar o custo de capital num mercado cada vez mais atento a divulgações climáticas. Cada grau celsius extra já custa milhões, pelo que, dominar esta nova aritmética térmica terá vantagem numa economia onde os termómetros afetam os preços nos mercados, financeiros e não financeiros.