O que o IRS nos ensinou sobre maturidade digital
Por Rui Neves, Software Development Director da Opensoft
Estamos em pleno período de entrega do IRS e, se esta obrigação fiscal ainda é um bicho de sete cabeças para si, pense duas vezes. Se este processo ainda lhe parece demasiado complexo, mesmo estando à distância de um clique no conforto de sua casa, convido-o a refletir sobre o caminho percorrido até aqui, que permitiu passar da entrega física em papel, à digitalização do serviço.
Na década de 90, declarar o IRS em Portugal era um ritual burocrático exigente: formulários em papel, filas intermináveis e um processo dependente do contacto presencial. Tudo mudou em 1997, quando o IRS deu o seu primeiro passo no mundo digital. Ainda que discreto, esse avanço representou o início de uma transformação profunda. O Estado começou, então, a pensar na inclusão digital, criando pontos de apoio em zonas remotas para garantir que ninguém ficasse para trás.
Com a massificação da internet nos anos 2000, a administração pública tomou partido desta tecnologia para impulsionar ainda mais a disponibilização online dos serviços. Os serviços tornaram-se mais simples, acessíveis e centrados no cidadão. Mais uma vez, o sistema do IRS é um bom exemplo disso, já que ao longo dos anos a Autoridade Tributária e Aduaneira procurou complementar este serviço de forma a minimizar o esforço do cidadão no cumprimento desta obrigação fiscal.
Um dos marcos importantes ocorreu em 2007, quando foi disponibilizada a possibilidade de obtenção de uma declaração de IRS já pré-preenchida com a informação previamente transmitida à AT, tanto pelo próprio contribuinte como por entidades terceiras. Esta melhoria no processo agilizou em grande escala o cumprimento da obrigação fiscal, tendo ainda potenciado a diminuição de discrepâncias entre a informação comunicada à AT pelos diversos intervenientes.
Mais tarde, em 2017, surgiu o IRS Automático — uma nova revolução na relação entre o contribuinte e o Estado, com o objetivo de liquidar automaticamente o IRS para um conjunto de contribuintes bem definido. Disponível também em aplicação móvel, esta opção permitiu a verificação e aceitação de uma declaração e liquidação provisória, previamente criada, reduzindo a complexidade do processo. Em 2018, a entrega em papel foi definitivamente abandonada, assinalando a total desmaterialização do processo. Desde então, a prioridade passou a ser o alargamento do IRS Automático a cada vez mais contribuintes, tornando o processo menos burocrático e mais eficiente.
Este universo de contribuintes foi alargado em 2018 com a inclusão de agregados com dependentes a cargo e em 2021 a contribuintes com trabalho independente que atuem no regime simplificado. Neste momento, o IRS Automático está disponível a milhões de contribuintes e já representa mais de 30% do total de declarações entregues, totalizando cerca de 2 milhões de declarações automáticas.
Chegados a 2025, preencher o IRS é, para muitos, um processo quase invisível. Ainda assim, convém notar que só foi possível alcançar este marco através de décadas de investimento tecnológico, planeamento e exigência cívica. Esquecer esse percurso seria desvalorizar o esforço coletivo que permitiu transformar uma obrigação fiscal complexa num processo simples e cómodo.
A digitalização dos serviços públicos tem provado ser um aliado poderoso do cidadão — devolvendo-lhe tempo e reduzindo o desgaste burocrático. Neste momento de entrega do IRS, é importante reconhecer o caminho feito, mas também questionar: o que mais pode ser feito?
A resposta passa por continuar a evoluir: expandir ainda mais o universo de contribuintes abrangidos pelo IRS Automático e incorporar a utilização de inteligência artificial para recomendações fiscais e apoiar tomadas de decisão. O futuro da administração fiscal passa por manter este ritmo de simplificação, sem esquecer que o objetivo final deve ser sempre colocar a tecnologia ao serviço de quem mais importa: o cidadão.