O logro do déficit

Por Nelson Pires, General Manager da Jaba Recordati

O ar envergonhado do ministro das finanças a apresentar um déficit de apenas 0,4% quando tinha previsto 1,9%, surpreendeu. Podemos dizer que seria por não ser um excedente orçamental, o que com os juros a crescer, constitui sempre um mau cenário numa realidade deficitária. Mas um número tão positivo (face à previsão) e a redução da dívida pública de forma tão grande, foi um sucesso macroeconómico. Só que não. A apresentação de destaque foram as medidas sociais como a redução do IVA (algo “demonizado”por este governo há algum tempo) nos produtos essenciais e o aumento dos apoios sociais. Porquê? Porque a redução do déficit é real mas causada por um logro. Vem à boleia da reclassificação do INE de mais de 1.000 milhões de euros em medidas para aliviar os custos da energia (passaram para as contas de 2023). Acrescida pelo aproveitamento da inflação e do aumento decorrente da receita fiscal (aumentou 10.2%), do calvário da elevadíssima carga fiscal dos particulares e empresas, da redução do investimento público com “barcos a meter água” (o investimento público ficou cativado e apenas aumentou 4.4%)… mas não deixam de ser notícias muito positivas: baixar o déficit e a dívida pública num cenário inflacionista. O único senão é que o estado está mais rico e as pessoas e empresas mais pobres.
Uma medida apresentada para anular o efeito da inflação foi a redução do IVA em bens essenciais. Algo que o “guloso” governo não queria, dando o exemplo da ineficácia da medida em Espanha. Foi inteligente o trabalho do governo a criar acordos com os produtores e distribuição, para tentar manter a estabilidade dos preços nos bens essenciais. Acho é que, apesar de ser uma medida positiva, o estado foi empurrado para ter de a tomar, pois não teria a “cara de pau” de mostrar um resultado fiscal e macroeconómico tão bom e a vida dos Portugueses tão má. Inclusive com alguns cidadãos a passarem fome. Atente-se que o ministro das Finanças insistiu dia 14 de março deste ano, que a eliminação do IVA em certos produtos não resolveria o problema dos preços elevados, por exemplo, nos alimentos. Que o Governo estaria a acompanhar todos os cenários possíveis de atuação… “Shame on you” sr ministro!
Mas existem 3 variáveis que ainda me dão mais gargalhadas: o PCP voltou a colocar a “cassete do costume” e a criticar a medida que até nem é má mas que apenas vai ajudar a especulação da grande distribuição e do “grande capital”. Portanto a medida é boa mas a aplicação da mesma é que vai ser má (já não há paciência). O PS que ainda há pouco tempo criticou uma medida do Chega que propunha um cheque de apoio social mas para apenas certos bens essenciais (nada de comprar garrafas de whisky), vai agora apenas eliminar o IVA em bens essenciais, excluindo as ditas “garrafas de whisky” da redução. Finalmente uma que não me provoca gargalhadas mas espanto: todos os partidos esqueceram-se da classe média, que é cada vez mais classe baixa, e que paga uma carga fiscal elevadíssima sem receber nenhum apoio social ou sequer uma revisão pontual dos escalões e benefícios fiscais. Não há nenhuma medida específica para quem paga impostos e não é rico.
E
m conclusão, um logro, com mais um acordo do governo (com a distribuição e produção) para poder atirar aos críticos da maioria absoluta. E “toca a acabar com os ricos e agora com a classe média, em lugar de acabar com os pobres”!