O hidrogénio está a mexer: o novo petróleo?

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Nos últimos tempos muitas notícias têm sido divulgadas nos media e nas redes sociais relacionadas com o hidrogénio dando nota de uma dinâmica de projetos, tecnologias e outros aspetos que parecem demonstrar que o hidrogénio “está a mexer”. E falamos, naturalmente, do hidrogénio verde.

Uma das áreas que tem sido referida tem a ver com a relação do hidrogénio com a descarbonização industrial, que é uma área crítica para se alcançarem as metas de mitigação das alterações climáticas. Nomeadamente no se refere à sua utilização em processos que necessitam de altas temperaturas e de alta intensidade energética. Ou ainda como reserva e armazenamento de energia de médio/longo prazo.

Um estudo publicado em dezembro passado demonstrou que integração de hidrogénio verde em smart grids aumenta a flexibilidade dessas redes e reduz as emissões de carbono, mas existem ainda desafios a nível das infraestruturas e dos custos. Noutro estudo publicado em abril, que avaliava tanto aspetos técnico-económicos como ambientais, o hidrogénio verde era apontado como um ator chave para a descarbonização, nomeadamente em setores como a produção de aço, produção de combustíveis sintéticos e transporte de longa distância. Todavia, qualquer um destes estudos referia a necessidade de políticas de apoio e de regulamentação adequadas.

Em termos tecnológicos, têm sido noticiadas ultimamente várias novidades de que fica aqui apenas um pequeno apanhado:

  • A Hyundai lançou uma escavadora (HW155H) com pilha de combustível a hidrogénio capaz de operar 8 h seguidas (o prazo de um turno!), com reabastecimento em cerca de 10 minutos, que tem uma capacidade de 15 toneladas, abrindo um novo mercado de utilização; pretendem agora alargar a aplicação a empilhadores e geradores de emergência;
  • Foi desenvolvida pela WestAir Gases uma estação de abastecimento de hidrogénio amovível (2 trailers, solução chave na mão), que permite versatilidade e/ou testar a adequabilidade antes de investir numa infraestrutura de abastecimento permanente;
  • Foi anunciado um pequeno (10 kg) motor a hidrogénio (Aquarius Engine) que poderá substituir o motor de combustão interna a gasolina (para a mobilidade ou como gerador); tem apenas 20 componentes, com uma única peça móvel;
  • Um construtor chinês (Farizon, da Geely) começou a produção em massa de camiões a hidrogénio (pilha de combustível, 200 kW), com um reservatório de 62 kg de hidrogénio e uma autonomia de 700 km; esta empresa tem uma plataforma que também pode usar metanol (obtido a partir do hidrogénio);
  • A Toyota anunciou que o futuro está no hidrogénio, sendo que prevê que os veículos elétricos farão a “ponte”; tem já um modelo – o Mirai-X (célula de combustível) – que possui uma autonomia superior a 1000 km com reabastecimento em menos de 5 minutos;
  • O CEO desta empresa, numa declaração ousada e estratégica, referiu mesmo que a mais recente tecnologia de combustão (HICE-Hydrogen Internal Combustion Engine) desenvolvida poderá até disromper o domínio dos veículos elétricos a bateria;
  • A nível militar, a força aérea dos EUA está a fazer ensaios no Alasca, prevendo ser o hidrogénio verde o futuro energético militar; está a ser produzido hidrogénio verde com base em energia geotérmica; este hidrogénio pode alimentar veículos, aviões e sistemas elétricos; em Espanha está a ser estudado o uso de veículos militares com pilha de combustível e a serem estendidos esses estudos aos submarinos (classe S-80 plus);
  • A UE financiou o projeto Cryoplane que estudou a possibilidade de usar hidrogénio líquido para a propulsão de aviões em substituição dos combustíveis fósseis.

Por isso, e a título de exemplo, países como a Alemanha, os Países Baixos e Omã, estabeleceram já entre si um acordo relacionado com o hidrogénio verde, para o desenvolvimento do primeiro corredor internacional para a importação de hidrogénio liquefeito do Médio Oriente para a Europa (o novo petróleo?). Esta iniciativa visa consolidar a infraestrutura necessária para o transporte deste combustível, por via marítima, de forma a apoiar a transição energética europeia. Neste domínio é de referir também o previsto corredor SoutH2 (3300 km) que ligará África à Europa (Argélia, Tunísia, Marrocos, Itália, Áustria, Alemanha), para o transporte de hidrogénio renovável, aproveitando algumas infraestruturas existentes para o gás natural.

E, por analogia, porque não a Península Ibérica, nomeadamente Portugal vir a ter um papel importante no fornecimento de hidrogénio à restante Europa?

Há quem fale da eficiência dos motores de combustão e da própria eletrólise, mas oportunidades como a da exploração de hidrogénio geológico (formado através de processos geoquímicos naturais) que têm surgido ultimamente, são também de levar em linha de conta. Estudos apontam para reservas imensas que permitiram o abastecimento do mercado por centenas de anos.

Como medidas públicas ligadas ao desenvolvimento da “fileira” do hidrogénio poderia apostar-se no apoio ao desenvolvimento de hubs que aproximassem produtores e consumidores, reduzindo riscos e promovendo economias de escala, em dar prioridade (pelo menos a nível de projetos públicos) à aquisição de produtos produzidos com utilização de hidrogénio verde e no incremento do investimento em I&D neste domínio, entre outras medidas.