Materiais de construção e sequestro de carbono

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Os materiais de construção de base fotossintética, como por exemplo a madeira, a cortiça, o bambu e seus derivados, são materiais de excelência, entre outros aspetos, se os considerarmos sob o ponto de vista do sequestro de carbono.

Para nos apercebermos desta realidade, adotemos como referência o caso da cortiça, um material tradicional, renovável, versátil e tão português.

Um sobreiro explorado com extrações periódicas de cortiça, produz entre 250% e 400% mais cortiça do que a que produziria se não fosse explorado, incrementando assim a fixação de CO2. Por isso, o consumo de produtos de cortiça que conduz à exploração desse material, promove a formação de mais cortiça e, consequentemente, mais CO2 sequestrado, para além do facto de os produtos de cortiça para a construção serem de vida longa, retendo o carbono que os compõem durante a sua vida útil e sendo “carbono neutros” na altura da sua decomposição ou aproveitamento energético.

Tal como muitos dos materiais de construção de base fotossintética, no final do seu tempo de vida útil, os produtos de cortiça podem ainda ser reutilizados e reciclados e a principal vantagem deste procedimento é o facto de incorporarem o carbono fixado (ou sequestrado) que aí se mantém durante o tempo de vida desses produtos, pelo que o aumento do ciclo de vida deste material atrasa a emissão desse carbono de volta para a atmosfera. Refira-se também que se não houver mais nenhum aproveitamento após esta vida útil, estes produtos podem ser utilizados na produção de energia e, quando incinerados, o CO2 produzido é equivalente ao sequestrado no material, sendo deste modo aquilo que habitualmente se designa por “carbono neutros”.

Numa outra vertente, e voltando ao caso da cortiça, é de assinalar que os montados de sobro são referidos como efetuando um sequestro de cerca de 5,7 ton CO2/ha/ano. Outros dados referem que os cerca de 2,3 milhões de ha de montados de sobro a nível mundial são apontados como promovendo a retenção de 14,4 milhões de toneladas CO2/ano. Saliente-se também que segundo dados de um fornecedor são emitidos menos de 0,4 kg de CO2/kg cortiça transformada, mas cada kg de cortiça de produto final é responsável pela fixação de mais de 1,8 kg de CO2.

No contexto dos materiais de construção, será de referir também um trabalho publicado em que os aspetos relacionados com o sequestro de carbono nestes materiais, nomeadamente de cortiça e derivados, são especificamente abordados. Este trabalho usa como caso de estudo o edifício do Observatório do Sobreiro e da Cortiça, em Coruche. Esta obra representa um excelente exemplo das múltiplas aplicações da cortiça neste domínio e permite evidenciar uma quantificação adequada da capacidade de sequestro de carbono por esta via. Assumindo o sequestro de carbono como uma faceta importante da sustentabilidade ambiental, propôs-se, através do exemplo do Observatório do Sobreiro e da Cortiça, apresentar um conjunto de medições e cálculos, resultantes de todas as aplicações da cortiça e seus derivados nos edifícios. O próprio edifício é um exemplo construído do uso da cortiça como paradigma da arquitetura, exponenciando assim o potencial de utilização daquele material e suas inerentes mais-valias na construção para além do uso tradicional dos derivados da cortiça (isolamentos, revestimentos interiores…). A aposta foi feita através de opções originais, nomeadamente através do apelo à exploração sensorial, sobretudo visual, da cortiça natural e pela proposta de novas soluções técnicas de cariz ecológico.

Tais opções consubstanciaram-se numa série de itens e situações de utilização, englobando o uso do aglomerado expandido de cortiça nos acabamentos/revestimentos exteriores e interiores (paredes e tetos), do aglomerado expandido como isolamento não visível (acústico, térmico e antivibrátil), do regranulado expandido de cortiça na betonilha dos pavimentos, da cortiça incorporada nos pavimentos de linóleo, da cortiça natural (virgem e amadia) como revestimento de fachada e das “rabanadas brocadas” em vãos interiores (efeito tipo biombo).

Para a quantificação do CO2 sequestrado, a base de cálculo assentou na relação e quantidades dos produtos de cortiça utilizados. Com base no teor médio de carbono dos vários produtos de cortiça, do seu teor de humidade, da sua massa volúmica ou por unidade de área, e na relação mássica CO2/C, foi possível verificar que o este edifício incorpora produtos de cortiça numa quantidade que corresponde ao sequestro de mais de 46 toneladas de CO2 a qual, para se ter uma noção do que este valor representa, corresponde, para um veículo com motor de combustão de baixa emissão, a uma quilometragem de quase meio milhão de km.

Nos últimos anos, arquitetos, designers e decoradores voltaram a interessar-se pelos materiais naturais, nomeadamente os de base fotossintética, que permitem a criação de diferentes ambientes para as mais diversas utilizações, associados ao conforto inerente a estes materiais e à sua capacidade de contribuir para a diminuição do consumo energético.

Além disso, estes produtos para a construção civil podem contribuir de forma significativa para os tornar enquadráveis na classe normativa nZEB (Nearly Zero Energy Building, norma estabelecida pela Diretiva Europeia sobre o Desempenho Energético dos Edifícios (Diretiva 2010/31UE)) contribuindo para um edificado energeticamente eficiente e sustentável, pois permitem que a construção seja feita de forma a diminuir as suas necessidades energéticas, para além de outros fatores. Assim, este conceito nZEB, dado o facto de este tipo de materiais serem materiais de sequestro de carbono, poderá e deverá considerar a introdução deste parâmetro em futuras revisões do mesmo.

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