Incerteza política e tarifas comerciais
Por Tiago Cruz Gonçalves, Professor de Finanças do ISEG, Universidade de Lisboa
Em Portugal discute-se as terceiras eleições legislativas em três anos, um cenário que, embora não traga um clima de caos, não deixa de lançar uma sombra sobre a estabilidade política e económica do país. Para as empresas, esta sucessão de ciclos eleitorais representa um desafio adicional num contexto global já marcado pela incerteza. Lá fora, o mundo assiste a um novo capítulo de tensões comerciais com o regresso de Trump à presidência dos Estados Unidos, reacendendo disputas tarifárias com o México, o Canadá e a China, ao mesmo tempo que ameaça impor novas barreiras à União Europeia. Neste ambiente de mudanças imprevisíveis, os gestores precisam de repensar estratégias e reforçar a resiliência das suas operações.
A guerra comercial entre os Estados Unidos e os seus parceiros tem vindo a intensificar-se desde o início do ano, com tarifas que afetam setores estratégicos como o automóvel, o metalúrgico e o tecnológico. As novas medidas impostas por Washington incluem taxas de 25% sobre bens mexicanos e canadianos. No caso da China, os produtos que já enfrentavam tarifas elevadas sofreram um novo agravamento de 10%. A União Europeia, por sua vez, está sob ameaça de novas restrições às suas exportações, num momento em que Bruxelas tenta negociar uma solução que evite mais danos para as economias do bloco. O efeito dominó destas políticas já se faz sentir, com mercados financeiros a reagirem de forma instável e empresas a enfrentarem incertezas na sua cadeia de abastecimento.
Para Portugal, os impactos destas tensões não são diretos, mas estão longe de ser irrelevantes. Setores que dependem da exportação para os Estados Unidos, como o vinícola e o têxtil, podem ser apanhados no fogo cruzado de uma política protecionista cada vez mais agressiva. As empresas que operam em mercados globais poderão enfrentar custos acrescidos, quer através de tarifas indiretas, quer por via da instabilidade cambial. Além disso, o aumento da energia exportada pelo Canadá para os Estados Unidos em resposta às tarifas americanas pode influenciar os preços no mercado internacional, pressionando os custos de produção em setores industriais europeus, incluindo o português.
No plano interno, a instabilidade política acrescenta mais uma camada de complexidade. A ausência de um governo com um mandato sólido dificulta a definição de estratégias económicas claras, essencial para atrair investimento e garantir previsibilidade às empresas. Os mercados financeiros reagem sempre mal à incerteza. Com cada novo ciclo eleitoral, os investidores adotam uma postura mais cautelosa, o que se traduz num encarecimento do financiamento e num abrandamento de projetos de expansão. As empresas que necessitam de capital externo para crescer encontram um cenário mais desafiante, com custos de crédito potencialmente mais elevados e uma maior volatilidade nos mercados de dívida.
Neste contexto, a preparação torna-se essencial. As empresas portuguesas devem apostar na diversificação de mercados, reduzindo a exposição a regiões sob maior risco de disrupção comercial. Estratégias de cobertura cambial podem ajudar a mitigar impactos negativos da volatilidade monetária. A aposta em cadeias de abastecimento mais flexíveis permitirá uma resposta mais rápida a mudanças nas políticas comerciais. Acima de tudo, a capacidade de adaptação será a chave para enfrentar um futuro onde a imprevisibilidade parece ter vindo para ficar.
Se há lição a retirar deste momento global é que a estabilidade já não pode ser vista como garantida. As empresas portuguesas, habituadas a operar num quadro regulatório estável dentro da União Europeia, terão de lidar com uma realidade diferente, onde decisões políticas podem alterar, de um dia para o outro, as condições de mercado.