Floresta de cultura energética vs. floresta de painéis
Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros
Já temos ouvido, por aqui e por ali, a expressão “floresta” de painéis, referindo-se às extensas infraestruturas de painéis fotovoltaicos dos parques solares. Muitas pessoas atribuem um significado negativo a esta “floresta”, devido a questões ambientais, como a ocupação de áreas florestais/agrícolas, a diminuição de habitats/biodiversidade, a “poluição” paisagística e por aí adiante. E tudo isto acrescido, agora, com a conotação negativa deste tipo de produção de eletricidade renovável devido ao recente apagão.
No sentido de diminuir o impacto das centrais fotovoltaicas, existem várias possibilidades e já me debrucei aqui neste espaço de literacia energética com, pelo menos, duas abordagens diferenciadas. A primeira (a 23 maio 2023) em que falo do agrivoltaico, que é uma nova “revolução” que associa este tipo de energia renovável com a produção agrícola, com vantagens mútuas. Neste domínio refiro aqui também o recente estudo de Jake Stid da Universidade do Michigan ou mesmo um estudo australiano na região de New South Wales que confirma os benefícios desta interação. E a segunda (a 28 fevereiro 2024) em que se aborda a questão do espaço disponível para a sua instalação e algumas soluções técnicas (sem ocupação do solo) para obviar estes problemas dos sistemas montados no solo, tais como o fotovoltaico flutuante, a instalação de painéis fotovoltaicos em áreas construídas, as telhas e os telhados solares. Mais recentemente, temos ainda a solução Sun-Ways que promove a instalação de painéis fotovoltaicos entre os carris dos caminhos-de-ferro, com uma potencialidade de cerca de 0,18 TWh/1000 km de ferrovia sem conflitos de espaço (Portugal tem cerca de 2500 km de ferrovia em exploração)!
Aqui chegados proponho agora falarmos de outro tipo de floresta que poderá substituir, se não o existente, o potencial futuro do solar fotovoltaico, eventualmente com algumas vantagens. Essa “floresta” é a instalação de culturas energéticas que podem permitir uma compensação ambiental por via do aumento da biodiversidade, da melhoria paisagística, da produção de energia elétrica através de uma geração (combustão da biomassa) que permite transmitir estabilidade e dar resiliência à rede, não sendo intermitente e promovendo até o desenvolvimento económico e social de zonas do interior, a longo prazo. Mas não só, pois as “plantas energéticas” permitem também a produção de biocombustíveis, com a consequente diversificação energética.
A procura de biomassa para a produção de energia ao nível local é um desafio que devia ser alcançado pois iria contribuir para o desenvolvimento local e para a redução do risco de incêndio na medida em que as áreas abandonadas e os baldios podiam ser usados para o cultivo de culturas energéticas. A vantagem das culturas energéticas é que estas não requerem as melhores terras.
A instalação de povoamentos de curta rotação tendo por base espécies de elevada produção biomássica (ex. eucalipto, salgueiros ou choupo) ou de culturas energéticas (cardo, miscanthus ou o capim-elefante) poderão ser soluções viáveis tendo em vista o fornecimento de elevadas quantidades de biomassa por unidade de área, a um baixo custo. A que se podem juntar ainda as infestantes lenhosas (ex. acácia).
No que se refere ao eucalipto (Eucalyptus globulus) houve estudos que avaliaram a plantação e a colheita mecanizada de povoamentos de eucaliptos instalados com elevadas densidades e explorados em curta rotação 3-5 anos com produtividades de 7-16 ton/ha/ano.
Quanto às acácias, que se encontram disseminadas por todo o território nacional e cuja facilidade de adaptação e proliferação criam sérios problemas ambientais, a utilização da sua biomassa poderá ser uma das soluções para o auxílio ao controle e/ou erradicação.
O salgueiro, é muito utilizado no centro e norte da Europa em plantações de curta rotação para a produção de biomassa para fins energéticos e a sua utilização em Portugal poderá ser efetuada em
zonas sujeitas a alagamento para que a produção de biomassa atinja uma produtividade aceitável (8-20 ton/ha/ano).
O choupo é, por exemplo, cultivado na Alemanha e em Itália como uma plantação de curta rotação (1-5 anos), apresentando rendimentos biomássicos variáveis. Para o sul da Europa, com intervalos de colheita de três anos, obteve-se um rendimento de cerca de 10-16 ton/ha/ano.
Noutro domínio, temos ainda o cardo, uma planta perene originária da região mediterrânea que quando instalado em larga escala, deu origem a valores entre cerca de 2-14 ton/ha/ano; o capim-elefante, proveniente de África, de porte semelhante à cana-de-açúcar, apresenta produções de biomassa na ordem das 50 ton/ha/ano; a cana-do-reino, planta perene nativa do Mediterrâneo, pode atingir produções de biomassa média de cerca de 22-38 ton/ha. E o Mischantus, originário da Ásia, apresenta produtividades médias de 10-40 ton/ha/ano.
Saliente-se que as difíceis condições orográficas e uma deficiente rede viária para o transporte da biomassa origina um elevado custo na exploração da totalidade da biomassa disponível para a transformação em energia. Acresce ainda o facto de o transporte da biomassa ter que promover diferentes operações (limpeza, enfardamento ou estilhaçamento) de modo a aumentar a densidade da biomassa, para garantir uma maior viabilidade económica. Uma possível forma de contornar esta limitação poderá ser a instalação de povoamentos ou culturas energéticas num raio de exploração crítico, tendo como ponto central a fonte de transformação.
Para a implementação de culturas energéticas de espécies florestais, é necessário avaliar as disponibilidades efetivas de biomassa florestal e, caso se verifique a necessidade do seu desenvolvimento, devem ser priorizadas de acordo com o seu grau de resistência a fogos florestais, e também de acordo com as respetivas emissões de gases com efeito de estufa associadas à sua produção. Como exemplo, tem-se a utilização de culturas dedicadas, como o eucalipto ou o choupo, os quais, para a mesma tecnologia de processamento, diferem consideravelmente ao nível das emissões de cultivo e, consequentemente nas emissões globais (eucalipto 3-4 x CO2 eq/MJ em relação ao choupo).
Sendo o potencial dos resíduos limitado, poderão ser estudadas as condições para instalação de culturas energéticas dedicadas, bem adaptadas às condições edafoclimáticas do país e aos critérios de uso dos solos, que possam contribuir de forma sustentável para o sistema energético nacional e para a política de sustentabilidade da bioenergia.