Financiamento para a compra de imóveis ou em construção – impõe-se uma mudança de paradigma?

Por Franck Willems, Diretor Financeiro da Thomas & Piron Portugal

 

A Lei Breyne, em vigor na Bélgica desde 1971, tem por objetivo proteger os compradores de imóveis novos ou em construção. Impõe um quadro rigoroso aos promotores, com um contrato de venda detalhado, pagamento escalonado em tranches em função das diferentes fases de execução da obra (tranches essas limitadas a 5%), uma garantia obrigatória de conclusão e um procedimento de receção do imóvel em duas fases – provisória e definitiva. Esta legislação garante que os compradores recebem um imóvel conforme o prometido, nos prazos previstos, e limita os riscos em caso de incumprimento por parte do promotor/construtor.

A introdução em Portugal de semelhante lei, poderia transformar profundamente o mercado imobiliário, nomeadamente através do reforço da proteção dos compradores de imóveis novos ou em construção. Na Bélgica, esta legislação revelou-se eficaz para garantir um quadro seguro para as aquisições em planta, limitando os riscos associados às falências dos promotores e aos projetos inacabados.

Tendo em conta os desafios atuais do mercado imobiliário português, que no passado se caracterizou por práticas por vezes “opacas” e projetos inacabados, uma reforma deste tipo poderia ser benéfica. No entanto, uma medida desta natureza exigiria uma adaptação às especificidades locais e implicaria condicionalismos para os promotores e investidores.

 

Maior proteção para os compradores

Uma das principais vantagens de uma “Lei Breyne Portuguesa” seria oferecer aos compradores uma maior segurança jurídica. Ao enquadrar os contratos de venda, obrigaria os promotores a serem totalmente transparentes quanto aos preços, prazos de entrega e garantias oferecidas. Os compradores beneficiariam assim de um enquadramento claro e seguro, reduzindo o risco de abusos ou de cláusulas ambíguas. Outro ponto fundamental seria o pagamento por tranches, em que o comprador pagaria montantes progressivos em função da evolução da obra. Esta disposição evitaria que fossem alocadas importantes verbas, na fase inicial (atualmente aquando da assinatura do CPCV e reforços subsequentes) sem qualquer certeza que o projeto seja concluído. Por último, a introdução de uma garantia de conclusão obrigatória asseguraria a entrega dos imóveis mesmo em caso de falência do promotor. Este tipo de garantia, apoiada por um seguro ou garantia bancária, protegeria os compradores de surpresas desagradáveis.

 

Um impacto importante no sector imobiliário

Embora uma lei deste género possa aumentar a confiança, implicaria também ajustamentos importantes para os promotores. Estes seriam obrigados a fornecer garantias bancárias sólidas, o que poderia colocar uma pressão extra sobre a tesouraria das empresas e tornar o financiamento dos projetos mais complexo e oneroso. Além disso, o aumento da regulamentação dos contratos de financiamento e dos pagamentos conduziria a mais burocracia, o que poderia atrasar a execução dos projetos imobiliários. Outro risco, embora menor, seria o aumento dos preços dos imóveis. Em nossa opinião, este último seria compensado por um mecanismo de financiamento diferente do tradicional empréstimo para a construção, o que deverá neutralizar qualquer potencial aumento dos preços. Consequentemente, a aquisição de casa própria não será mais cara para os compradores, apenas mais segura.

 

Para que a adoção de uma lei Breyne adaptada a Portugal seja benéfica, seria essencial encontrar um compromisso entre a proteção dos compradores e a manutenção da dinâmica imobiliária. Uma aplicação gradual ou parcial, visando, por exemplo, os projetos com maior risco, poderia ser uma solução. Seria igualmente possível introduzir auxílios ou incentivos aos promotores para compensar as restrições financeiras impostas. Por último, a concertação entre as entidades públicas, os promotores, as associações do setor e de consumidores seria essencial para adaptar os princípios desta lei às especificidades do mercado português.

A introdução em Portugal de uma lei segundo este modelo beneficiaria não só os compradores, mas também os promotores que pretendem desenvolver projetos credíveis, estáveis no mercado e com garantias para os seus clientes.

 

Principais vantagens

Um quadro jurídico mais claro e uma reputação reforçada. As práticas atuais variam entre promotores, o que gera incerteza para os compradores e prejudica a imagem do setor. Com uma regulamentação mais rigorosa, a reputação, credibilidade e atratividade dos promotores aumentariam, tornando o setor mais seguro.

Aumento da confiança de compradores e investidores. Um mercado mais regulado atrai compradores, que temem projetos inacabados ou mal geridos. Uma maior segurança jurídica encorajaria mais investidores a apostar em novos projetos, promovendo a oferta e a fluidez do mercado.

Acesso facilitado ao financiamento bancário. A exigência de garantias financeiras aumentaria a confiança dos bancos nos projetos, facilitando a concessão de empréstimos a taxas mais favoráveis, o que reduziria o custo final da habitação.

Menos litígios e melhor gestão dos riscos. Um enquadramento mais claro dos contratos e garantias reduziria os litígios, especialmente em relação a atrasos ou à qualidade da construção, favorecendo uma melhor gestão de riscos.

Um mercado mais estável e atrativo. A proteção dos compradores garantiria transações mais fluídas e menos desconfiança, o que contribuiria para um mercado mais estável e seguro, tornando os investimentos a longo prazo mais atrativos.

Melhoria da imagem internacional do setor. A falta de regulamentação ainda gera hesitação entre investidores estrangeiros. Uma legislação mais clara e transparente poderia melhorar a imagem internacional de Portugal, atraindo mais investimento estrangeiro para o mercado imobiliário.

 

Conclusão

A aplicação de uma lei inspirada na Lei Breyne em Portugal poderia representar um progresso significativo em termos de proteção dos compradores e de estruturação do mercado imobiliário. No entanto, deve ser cuidadosamente ponderada para não travar o dinamismo do sector. Uma regulamentação equilibrada, que combine transparência e flexibilidade, estabelecendo um equilíbrio entre a proteção dos compradores e a viabilidade dos projetos imobiliários, garantiria um mercado imobiliário mais seguro e atrativo para todos e reforçaria a confiança e um desenvolvimento mais sustentável.