Entrou na Faculdade! E agora, como vai sair?

Por Ana Côrte-Real, Ana Corte-Real, Professora Associada da Católica Porto Business School, consultora e Coach

Em vésperas das saídas das colocações, escrevo este artigo numa perspetiva de Coach do programa Mind the Gap, no âmbito do qual acompanho jovens no “gap” do secundário para a universidade, no “gap” das licenciaturas para os mestrados e no “gap” de estarem num curso (ou já o terem terminado) e pretenderem mudar de área (“afinal, não é nada disto que gosto”). Escrevo, naturalmente, no âmbito deste tópico, como Mãe de 2 licenciadas (em gestão e engenharia industrial) e de uma aluna do 4º ano de medicina.

Queria ser mais optimista neste assunto… mas temo que as minhas evidências me façam ser cautelosa.
Entrar no curso que se quer, na faculdade que se quer, não significa que se revele fonte de bem estar e de realização. Entrar nas terceiras opções, em faculdades que não desejavam, muitas vezes noutra zona geográfica, são fonte de ansiedade e angústia.
A angústia da entrada passados uns meses, é muitas vezes, substituída pela angústia do “afinal não é este curso que quero!”.
Um outro desafio são os métodos de ensino. Na verdade, temos de refletir: até que ponto estimulam esses métodos os jovens do mundo atual, que vivem num mundo hiperconectado, tecnológico, onde as expectativas são cada vez mais altas, onde o comportamento do consumidor se altera de forma permanente, numa permanente busca de conveniência, de imediatez, de personalização e de gratificações instantâneas?!
Como é o que se ensina, quais os outcomes e o fit com as necessidades do mercado?
Mas, afinal, o que se pretende do percurso na Universidade?
Na minha opinião, o percurso deve fazer com que os alunos aprendam a ser curiosos, interessados pelo meio envolvente, motivados para a aprendizagem, motivados para o brio profissional e para a vida em geral. Uma vida que está complexa, que vive uma velocidade vertiginosa e que caminha para a cultura americana dos “loosers” e dos “winners”, com os resultados a que assistimos todos os dias nas notícias.
Os nossos filhos entram na faculdade – e como vão sair? E para onde vão sair? E o que, de verdade, importa? Um salário alto? Um salário de 950 euros por mês que dificilmente lhes permite independência? Um salário alto e uma vida de trabalho em regime escravatura? Um mau líder, que os irá desmotivar totalmente? Um clima organizacional sem uma cultura forte de valores? Trabalho remoto, o que não favorece a necessária socialização inerente ao ser humano?

Ou um trabalho estimulante e capaz de os realizar do ponto de vista pessoal e profissional? Ou uma equipa de colegas cúmplices e que percebem que uma equipa não é uma soma de individualidades, mas um grupo coeso e alinhado em torno de uma visão? Ou um líder inspirador, humano e apostado no desenvolvimento dos seus colaboradores? Ou uma empresa que já se adaptou aos novos formatos de trabalho permitindo a sua flexibilidade?
Não há respostas… mas há vários estudos e análises que procuram enquadrar o futuro do trabalho e que nos ajudam a fazer esta reflexão. A consultora Mckinsey & Company efetuou um estudo na Austrália, Canadá, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos, com o objetivo de compreender o que está a provocar a famosa fuga de talentos.
O estudo identificou que 40% dos trabalhadores consideram mudar de emprego nos próximos 3 a 6 meses. Este valor oscila em função dos setores: no setor da restauração, por exemplo, o valor sobe para 47%.
Este fenómeno não se circunscreve a estes países e tem já uma abrangência global.
A tendência é também de crescimento: 53% das empresas declararam que estão a sentir saídas de trabalhadores  acima do normal e 64% das empresas tem uma expectativa de  que este problema se mantenha ou piore nos próximos seis meses.
Um fator adicional e importante para as empresas é que 36% dos trabalhadores nos países analisados estão dispostos a abandonar o seu trabalho atual, sem ter qualquer outra opção. Este é mesmo um fator distintivo entre o atual momento e outros ciclos de crise e/ou saída de trabalhadores e representa um desafio adicional para as empresas.
Têm sido vários, no último mês, os artigos sobre a tendência “Quiet Quiting”. Uma filosofia de trabalho que assente nesta visão: ”Ainda cumpres os teus deveres, mas já não subscreves a mentalidade de que o trabalho tem de ser a tua vida. Não é.”
E termino com algo crucial: as questões da saúde mental. Entram na faculdade… a que custo? Fazem o curso… a que custo? Arranjam um trabalho numa empresa ou entidade de referência… com que custo para o seu dia-a-dia?
Optam pelo quiet quiting: como serão rotulados?
Optam pelo tão falado work life balanced: será que podem ser vistos como excelentes profissionais?
Um estudo da Deloitte refere que os jovens portugueses são dos que mais sofrem de ansiedade. A falta de dinheiro, a pressão no trabalho e a frágil saúde mental são as principais causas apontadas.
Como já disse: as respostas são difíceis.
Mas temos, pelo menos, a obrigação de refletir sobre estas questões e fazer o que está ao nosso alcance no campo profissional, da educação e da família. E por muito que o façamos, podemos não conseguir. Mas tentamos. Os nossos filhos, os nossos jovens, o nosso futuro merecem atenção.
Que entrem nas faculdades – mas que o percurso, a jornada, seja mais importante que o resultado. Que sejam bons profissionais, mas sem abdicarem da sua vida pessoal. Que deixem de ser os mais ansiosos para serem os mais felizes.
A vida é demasiadamente preciosa para ser atropelada.


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