Entre a Abstenção e a Representação: Como a Repetição Eleitoral Transformou o Parlamento em Portugal

Por Carlos Lourenço, Professor do ISEG

Até há bem pouco tempo, a Assembleia da República (AR) em Portugal não era representativa, isto é, não representava as preferências do eleitorado no país. Porque nela não tinham assento deputados eleitos de partidos que advogassem políticas populistas, nacionalistas e securitárias e anti-imigração, frequentemente designadas de extrema-direita.

À luz de hoje, será seguro afirmar que em várias eleições legislativas muitas pessoas terão escolhido não escolher entre as opções que lhes eram apresentadas. Até Outubro de 2019, altura em que o partido Chega chega aos boletins de voto (meses antes, em Abril, o Palácio Ratton aceita a sua constituição), elege 1 deputado e sinaliza, para quem anteriormente não se sentia representado, que tinham agora em quem votar. E assim foi, em menos de nada.

Não devido ao chumbo do OE na AR, até agora o único na 3ª República e que isolou o PS, nem às duas pseudo-crises ético-judiciais que se seguiram (até ao momento, não se vislumbra que nenhum dos dois ex-primeiros-ministros enfrentará a justiça), mas sim por os eleitores terem sido chamados a escolher três vezes em três anos.

Para os que preferiam e preferem políticas populistas, nacionalistas e securitárias e anti-imigração, foram três oportunidades para passarem a ter representantes na AR.

É por isso que quando olhamos para o gráfico da abstenção ao longo do tempo, ele desenha um u-invertido, com um máximo em 2019 e ao longo dos três pontos seguintes (2022, 2024 e 2025) uma inversão claríssima da tendência anterior.

Só em 2024, votaram mais cerca de 910 mil pessoas. Mas, em comparação com as legislativas anteriores, houve menos cerca de 250 mil votos na AD e no PS e mais cerca de 770 mil votos no Chega, que elegeu 50 deputados. No domingo foram mais de um milhão e 345 mil, as pessoas que escolherem o Chega, que pode chegar a sentar 60 deputados na AR na próxima legislatura.

Em suma, as três últimas eleições legislativas, decididas e agendadas por quem de direito, todas antecipadas na sequência da dissolução da AR, e incrivelmente próximas umas das outras, tiveram o condão de acelerar a revelação de preferências políticas de uma parte da população que nada tem de minoritária, muito pelo contrário.

Assim, é hoje rigoroso dizer que, no mínimo, um quarto dos eleitores portugueses tem preferência por políticas populistas, nacionalistas e securitárias e anti-imigração, frequentemente designadas de extrema-direita. O que não é o mesmo que dizer que são racistas ou xenófobas, por exemplo, até porque em Portugal o discurso racista ou de ódio é punível com até cinco anos de prisão, e o partido Chega rejeita nos seus estatutos “todas as formas de racismo, xenofobia e qualquer forma de discriminação”.

A questão a que falta responder é esta: que políticas económicas e fiscais—que políticas redistributivas, de saúde e educação, por exemplo—que virão expressas num OE a aprovar pela próxima AR, esperam um milhão e 345 mil pessoas, muitas das quais há três anos atrás provavelmente nem sequer votavam?