E porque não o solar de concentração?

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

Mas o que é o solar de concentração? Mais especificamente o solar térmico de concentração? Pois bem duas siglas da designação em inglês lhe estão associadas: CST (Concentrated Solar Thermal) e CSP (Concentrated Solar Power). Esta tecnologia permite a concentração dos raios solares para aquecer, geralmente, um líquido ou um sólido que pode ser então usado num processo, a jusante, para produzir eletricidade. Tem a possibilidade de permitir também o armazenamento térmico da energia, uma forma relativamente barata de o fazer, possibilitando assim a sua utilização 24 h/7dias, ou seja, num “palavrão” técnico, sendo despachável e conferindo por isso estabilidade à rede. Não é intermitente como o que se passa com o solar fotovoltaico e o eólico. Esta tecnologia produz energia renovável “isenta” de CO2 podendo ser uma das energias renováveis mais “amiga” da rede. O CSP permite também a hibridização com outros sistemas de produção de energia.

Em associação ao sistema eletroprodutor, tal tipo de produção e armazenamento, ainda não existe neste momento em Portugal, mas encontra-se a nível nacional numa fase experimental e de demonstração, existindo know-how nacional de relevo. Refira-se a Évora Molten Salt Platform, instalação onde são estudadas soluções de armazenamento térmico a alta temperatura em sais fundidos, entre outras, numa infraestrutura de concentração solar com tecnologia parabólica linear. Mas aqui mesmo ao lado, em Espanha, temos já muitos Mw de eletricidade produzida por esta via. Muitos outros países têm apostado nesta tecnologia, com sucesso, podendo servir de benchmarking. Aliás, um estudo feito em 2021, no âmbito de um projeto europeu, sobre a potencialidade do CSP para Portugal, considerando a integração na rede e mix energético nacional, apontava para um valor entre 1,2 e 2 GW, com um aumento de custos muito limitado, sendo que o PNEC, na altura, apenas previa 0,3 GW.

Mas além da produção de energia elétrica, a produção de calor (CST) de alta temperatura para aplicações industriais, para substituição da utilização do gás natural ou outros hidrocarbonetos ou por via elétrica, pode constituir também um bom contributo desta tecnologia para a descarbonização da economia. Os sistemas de concentração solar têm diversos campos possíveis de aplicação, nomeadamente: dessalinização de água, energia térmica para processo industrial, produção termoelétrica, produção de combustíveis solares, sendo que todos estes podem vir a ter posições de relevo em Portugal.

Mas há outros. Apenas a título de exemplo, pode vir a considerar-se, como um caso de estudo e para demonstração e replicabilidade noutros domínios, o caso da indústria mineira. Tratando-se de dois recursos importantes a nível nacional, o sol e os minérios, estes poderão vir a constituir no futuro um binómio importante, aumentando a sustentabilidade da exploração mineira, contribuindo para a descarbonização da economia. No âmbito da indústria mineira são várias as operações que consomem energia, quer sob a forma de calor quer de energia elétrica, constituindo uma grande fração dos custos de produção. Acresce ainda que algumas explorações mineiras e mesmo de processamento dos minérios se podem encontrar localizadas em zonas longe de redes de fornecimento de energia elétrica ou de abastecimento de combustíveis, pelo que será útil poder ter sistemas/tecnologias que se possam instalar off-grid no sentido de satisfazer autonomamente as necessidades de energia dessas explorações. As localizações remotas estão frequentemente ligadas a mais elevados custos da energia e frequentemente em zonas de excelente recurso solar. As vantagens da utilização do calor solar de concentração (com armazenamento de energia) referem-se à sua fiabilidade e disponibilidade, para além de evitar problemas logísticos em áreas remotas, reduzindo o risco de falha de abastecimento e os custos associados, adicionando ainda a redução das emissões de CO2 e contribuindo para melhorar a imagem do setor mineiro numa época de elevada consciência ambiental.

Poderíamos ainda considerar o caso da indústria cimenteira, processo de energia intensiva que recorre normalmente a grandes quantidades de energia, para a decomposição do carbonato de cálcio e a clinquerização a altas temperaturas. A calcinação direta e num único passo com energia solar evita a formação de contaminantes gasosos e diminui a quantidade de CO2 emitido.

Uma outra vantagem do solar térmico tem a ver com a não utilização ou utilização em muito pequena escala de matérias-primas críticas, tão abordadas nos últimos tempos. A tecnologia atual, no que se refere aos refletores, assenta em vidro com um revestimento de prata, com aditivos de cobre e cério. Estes componentes podem ser também feitos de alumínio. Os absorsores são feitos de ligas metálicas para alta temperatura. Sais de potássio e de sódio podem ser usados como materiais de transferência de calor ou de armazenamento térmico. Existe ainda a possibilidade do armazenamento se efetuar em betão, rocha, cerâmicos ou mesmo areia. A estrutura assenta em betão e aço. Um trabalho desenvolvido sobre potenciais restrições de materiais para a utilização em larga escala de produção de energia solar de concentração mostrou que esses receios eram infundados até porque, como se viu, a maior parte dos materiais necessários são correntes.

Concluindo, a utilização desta tecnologia no nosso mix energético permitirá também complementar e aumentar a diversificação da produção de energia elétrica e/ou térmica, o que estrategicamente será importante. Poderá contribuir também para a diminuição das importações de energia e combustíveis. Paralelamente estará também aqui aberta uma nova oportunidade de investimento e desenvolvimento tecnológico e económico.

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